O setor imobiliário brasileiro enfrenta uma crise significativa, com cerca de R$ 44 bilhões em dívidas em negociação, segundo levantamento da consultoria Virtus, realizado a pedido da Valor Econômico. Desse montante, aproximadamente R$ 13,5 bilhões têm vencimento em até 12 meses, exigindo soluções rápidas.
O estudo evidencia uma disparidade entre empresas listadas em bolsa e as de capital fechado. Enquanto as companhias abertas, geralmente maiores e com melhor acesso a crédito, têm conseguido preservar caixa e focar em projetos estratégicos, as fechadas concentram a maior parte das dívidas em reestruturação — cerca de R$ 42 bilhões.
Essa fragilidade se reflete no aumento dos pedidos de recuperação judicial (RJ). Em 2024, o setor imobiliário liderou o ranking, com 314 solicitações, um crescimento de 17% em relação ao ano anterior, segundo dados do Monitor RGF. O impacto se amplia devido à estrutura de Sociedades de Propósito Específico (SPEs), comuns nas construtoras. “Quando a holding entra em RJ, as SPEs vão junto”, explica Rodrigo Gallegos, sócio da RGF.
A Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) destaca, porém, que o modelo de SPEs atua como proteção. “Esse formato assegura que eventuais dificuldades financeiras [da empresa] não comprometam a conclusão das obras nem prejudiquem os consumidores”, afirmou a entidade em nota.
No entanto, a expectativa é de que o número de recuperações judiciais continue subindo, especialmente diante do cenário econômico desafiador previsto para o segundo semestre. Gallegos aponta que muitos empreendimentos em andamento surgiram durante o período de juros baixos e alta demanda da pandemia, mas agora enfrentam um contexto oposto.
Douglas Bassi, sócio da Virtus, destaca que várias empresas adiaram processos de reestruturação, mas agora lidam com o impacto do aumento dos juros. “Há empresas que se arrastaram e que agora precisam de uma solução”, afirma. Ele ressalta ainda que, além dos juros elevados, muitos imóveis não se valorizaram como o esperado, pressionando ainda mais o setor.
Giuliano Colombo, sócio do escritório Pinheiro Neto, observa que as grandes incorporadoras ainda estão em posição confortável devido à maior liquidez. “Por terem caixa, podem focar em construções em áreas mais demandadas”, diz. Por outro lado, as menores, que dependem de capital externo — cada vez mais caro —, enfrentam sérias dificuldades. “Cada empresa do setor está vivendo um momento específico”, conclui.
A situação se agrava em regiões como São Paulo, principal mercado imobiliário do país, que sofre com a superoferta de apartamentos, afetando preços e o ritmo de vendas, especialmente em imóveis fora do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV). “O entusiasmo pós-pandemia levou o mercado financeiro a liberar muitos recursos para incorporadoras, inclusive jovens e inexperientes”, relata Beto Horst, sócio da Lote5. Segundo ele, a expectativa de juros em queda impulsionou lançamentos, mas a realidade foi diferente. A Lote5 decidiu suspender novos projetos na capital paulista, focando em vendas para reduzir estoques e em loteamentos no interior.
O ambiente de crédito também se tornou mais restritivo. O CEO de uma incorporadora de médio porte, que preferiu o anonimato, afirma que “só recorre ao mercado de capitais quem não conseguiu financiamento com grandes bancos”. Isso, segundo ele, aumenta o risco e encarece ainda mais os projetos. “Se o mercado precifica o risco, vira uma bola de neve”, destacou.
Apesar dos desafios, ele acredita que o mercado de capitais terá papel fundamental no financiamento do setor, como já ocorre no agronegócio, mas pondera: “Para isso, a taxa de juros precisa cair”.
Cristian Lara, sócio da gestora Strategi, aponta outro fator crítico: o alto nível de alavancagem do setor. “O setor de incorporação tem um dos níveis de alavancagem mais agressivos do mercado”, afirma. Segundo ele, empresas menores, com menos acesso a capital, acabam mais expostas a riscos financeiros, dificultando o equilíbrio entre vendas e custos.
A alta dos juros e o aumento dos distratos tornam o cenário ainda mais complexo. Lara relata que a gestora tem lidado com casos em que o dinheiro das incorporadoras acabou antes da conclusão das obras, forçando a busca de novos investidores ou repasse dos projetos a outras empresas.
Apesar dos números alarmantes, a Abrainc minimiza o impacto sistêmico. “Os pedidos de recuperação judicial são casos pontuais e não configuram risco para o mercado imobiliário”, declarou a associação.
O setor, contudo, segue atento aos desdobramentos econômicos e às possíveis repercussões sobre a solvência de incorporadoras, especialmente as de menor porte.
Quer continuar atualizado sobre o mercado imobiliário? Então se inscreva na nossa Newsletter. Todas as terças e sextas, às 7:15, nós enviamos no seu e-mail as principais notícias do mercado Imobiliário. Vejo você lá!
Informações retiradas de Fernanda Guimarães e Ana Luiza Tieghi para a Valor Econômico