O Brasil encerrou 2024 com um aumento de 13% no número de empresas em recuperação judicial, totalizando 4.568 companhias enfrentando dificuldades financeiras. Esse crescimento representa 523 empresas a mais do que em 2023, segundo o Monitor RGF da consultoria RGF & Associados, cujos dados foram divulgados com exclusividade pelo Valor. Esse é o maior número absoluto desde o início do monitoramento desses processos, iniciado em abril de 2023.
Incorporação imobiliária lidera recuperações judiciais
O setor imobiliário foi o mais impactado, com 314 empresas em recuperação judicial, ultrapassando as holdings de instituições não financeiras (272) e a construção de edifícios (212), que ocupam, respectivamente, o segundo e o terceiro lugar no ranking nacional. No terceiro trimestre de 2024, a incorporação imobiliária ainda estava em segundo lugar, com 266 casos.
Especialistas do setor afirmam que, apesar do cenário desafiador, não há risco sistêmico para a economia. Contudo, a expectativa para 2025 é de mais dificuldades para diversas áreas devido ao cenário macroeconômico do país, o que pode levar a novos recordes de reestruturação de dívidas, tanto por meio de recuperações judiciais quanto extrajudiciais.
Cenário econômico e tendências para 2025
Embora o número de recuperações judiciais tenha atingido um recorde, houve uma leve desaceleração no crescimento no último trimestre de 2024, passando de 4,4% para 3,6%. “É uma redução do ritmo, mas ainda é um cenário ruim”, destaca Roberta Gonzaga, consultora da RGF.
O Índice RGF de Recuperação Judicial (IRJ-RGF) variou de 1,90 para 1,91, indicando que quase duas a cada mil empresas no país estão em reestruturação judicial. A base de dados do monitoramento considera 2,4 milhões de companhias, excluindo filiais e microempresas.
A região Nordeste registrou uma leve melhora no índice, passando de 2,62 para 2,61, seu primeiro avanço desde 2023. Ainda assim, continua acima da média nacional, assim como o Centro-Oeste (2,97) e o Sul (2,33). O Sudeste (1,52) e o Norte (1,29) apresentaram números inferiores à média nacional.
São Paulo foi o estado com o maior crescimento absoluto no número de empresas em recuperação, atingindo 1.315 companhias. O Rio Grande do Sul aparece em segundo lugar, impactado pelas fortes chuvas do primeiro semestre de 2024. No estado, 414 empresas enfrentam dificuldades, com destaque para o agronegócio, incluindo produtores de soja e criadores de bovinos.
Crédito e juros elevados agravam cenário
Rodrigo Gallegos, sócio da RGF & Associados, aponta que a maior parte das dívidas das empresas em recuperação judicial está ligada a instituições financeiras. “São resultados de endividamentos adquiridos ao longo dos anos e que agora pressionam o caixa”, afirma. Para ele, a renegociação com bancos é essencial para evitar impactos na operação principal das empresas. “Sem o ‘core business’, não há empresa”, reforça.
A especialista Roberta Gonzaga alerta para a importância do momento certo para solicitar recuperação judicial. “O ideal é iniciar o processo antes que a crise afete o operacional da empresa. Se o pedido for tardio, a situação se torna mais difícil de resolver”, explica.
Gallegos prevê um 2025 ainda mais desafiador para as empresas, principalmente devido à taxa de juros elevada e ao acesso restrito ao crédito. “Os bancos estão mais seletivos, aguardando maior clareza sobre a política econômica do governo, especialmente em relação à meta fiscal e à reforma tributária”, avalia.
Impacto no Mercado Imobiliário
Olivar Vitale, sócio do VBD Advogados e especialista em direito imobiliário, afirma que os juros altos dificultam investimentos e aquisição de imóveis. “Esse cenário afeta a captação de recursos para novos empreendimentos, fundos de investimento imobiliário e até para a compra da casa própria”, destaca.
Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), atribui o alto número de recuperações judiciais no setor à grande representatividade do segmento na economia e à natureza dos investimentos de longo prazo. “No setor de incorporação, há um intervalo de cinco a seis anos entre a aquisição do terreno e a entrega do empreendimento. Mudanças nas administrações municipais, estaduais e federal, além de alterações nas políticas econômicas, impactam diretamente os negócios”, explica.
Eduardo Scarpellini, sócio da EXM Partners, observa que a alta oferta de empreendimentos lançados em anos anteriores, impulsionada por juros mais baixos, não foi totalmente absorvida pelo mercado. “Com os financiamentos mais caros, muitas construtoras têm segurado as vendas, e algumas acabam entrando em recuperação judicial”, analisa.
Setor reivindica medidas de apoio
Especialistas e representantes do setor concordam que a construção civil precisa de apoio governamental. “Se a taxa de juros permanecer nesse patamar e não houver subsídio para o financiamento habitacional, a preocupação com o setor imobiliário continuará crescendo”, alerta Scarpellini.
A Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) minimiza os impactos das recuperações judiciais no setor de incorporação. “Os casos são isolados e não representam risco sistêmico. O modelo de negócios do setor, baseado em Sociedades de Propósito Específico (SPEs) com patrimônio de afetação, assegura que dificuldades financeiras de uma empresa não prejudiquem a entrega das obras ou os consumidores”, afirma a entidade em nota ao Valor.
A Abrainc também ressalta que o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) possui um fluxo financeiro independente das variações da taxa de juros, garantindo estabilidade ao segmento de habitação popular. “No mercado de médio e alto padrão, as incorporadoras associadas à Abrainc apresentam excelente saúde financeira, reforçando a segurança do setor”, acrescenta a entidade.
Informações retiradas de Marcela Villar ao Valor.
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