Após um período sequencial de crescimento e um caixa bilionário para gastar à vontade, a startup brasileira QuintoAndar vem passando por alguns ajustes nos últimos meses. Após demissões em massa ocorridas em abril, a empresa anuncia uma desaceleração no ritmo de crescimento. “É melhor fazer o básico“, relata Gabriel Braga, CEO da QuintoAndar.
Em entrevista ao jornal Estado de São Paulo, o empresário entende que o momento atual das startups brasileiras é diferente e que “as mudanças estruturais da economia têm um efeito grande na indústria de venture capital. Antes, o mercado se resumia em abundância de capital, com recorde de aportes.”
Ao ser questionado sobre as demissões que a empresa realizou, Gabriel responde “a música mudou. Não vou continuar a 300 km/h, como estava antes, se agora estou em uma estrada esburacada e em que posso bater o carro. Agora, você reduz marketing e velocidade para abrir novas frentes. É fazer melhor o básico.”
A mudança nas startups, segundo Braga, “vai forçar todo mundo a ser mais criativo. Os negócios têm de se sustentar, e agora temos um incentivo para inovar sem gastar tanto. Antes, na pressa, você pensava que precisava de 120 pessoas para fazer algo. E agora enxerga que pode fazer com 30.”
Mas não é só com o QuintoAndar que isso vem ocorrente. Após um período de bonança nos investimentos, startups no Brasil desaceleram seu ritmo de crescimento e cortam totalmente os gastos. A Loft também passa por momento semelhante, efetuando inclusive demissões também em massa assim como o QuintoAndar. Para se ter uma ideia, até os presentinhos e benefícios dados aos funcionários estão entre os itens da lista.
O que dizem os analistas?
Até pouco tempo atrás, quando o dinheiro era farto e os juros baixos, não havia preocupação de que uma redução de recursos poderia ser necessária. Mas isso é algo que mudou com o conflito no leste europeu e a consequente alta dos juros.
Para Amure Pinho, as demissões são somente a ponta do iceberg que as startups enfrentarão: “Pode haver redução de verbas de marketing e ajustes de orçamento e estratégia. Essa tendência vai afetar startups de todos os setores”, afirma.
Um exemplo, são as demissões em massa realizadas pela QuintoAndar, logo após premiarem seus colaboradores com câmeras de R$300,00. Muito se falou sobre uma redução de 20% no quadro de 4 mil colaboradores, no entanto o QuintoAndar fala em 4%, o que diminuiria esse número para 200 funcionários. “É um ajuste de euforia”, diz Braga.
Já a Loft demitiu cerca de 160 pessoas, enquanto a Facily demitiu 200 funcionários quatro meses após receber um aporte que elevou a empresa ao status de unicórnio (concedido para empresas do setor com valor acima de US$1 bilhão).
Para o investidor de startups, José Galló, que comandou a Lojas Renner por mais de 20 anos, afirma que, muitos dos empreendedores de startups brasileiras sofrem da falta de experiência em lidar com crises macroeconômicas. “Na Renner, nunca fizemos demissões por corte de custos. Esse é um atalho que pode custar caro”, afirma. “É importante que o empreendedor tenha investidores experientes em lidar com crises em momentos como esse. Investidores que já tenham lidado com juros altos e inflação, que são tão comuns no Brasil. Isso pode fazer muita diferença”, completa.
Crescimento a qualquer custo x lucro
Com o cenário macroeconômico mais desafiador, uma mudança importante no setor foi a do discurso de um crescimento a qualquer custo. “Os investidores premiavam crescer diversas vezes em um ano e pensar depois em como consertar a margem de lucro, e foi isso que levou ao cenário de diversos funcionários e projetos. Agora, querem que as startups cresçam menos e mantenham uma rentabilidade saudável. A orientação atual é completamente oposta à de 2021”, diz Veras, da 99.
“Em um mercado que tinha dinheiro barato, você tinha que expandir porque seu competidor também o faria. Agora, a regra do jogo é abandonar projetos paralelos e diminuir o crescimento para focar na atividade principal, garantindo a perenidade da empresa. Mesmo quem captou faz pouco tempo, e pode ter expandido custos e equipe já de olho em uma captação nos próximos meses, percebe agora que essa próxima rodada pode não acontecer”, afirma L’Hotellier, da GetNinjas.
Investidores ouvidos em anonimato pela InfoMoney reconhecem que o cenário visto nos últimos anos, de crescimento a qualquer custo, não era algo sustentável no longo prazo. Empreendedores se concentraram em aproveitar a bonança enquanto podiam, agora, a festa acabou. “Foi uma bolha, provocada pelo excesso de capital, que claramente estourou”, afirma um investidor.
Toda essa correção é ruim?
Para boa parte dos empreendedores e investidores, o movimento era necessário. “É ruim vermos as demissões neste momento. Mas também foi ruim vermos startups captando dinheiro, recebendo valuations irreais e fazendo o que queriam com esse capital”, afirma Ibri.
“O mercado focou muito em crescimento e se perdeu quanto ao objetivo final da empresa, incluindo a data para ela se tornar autossustentável. É saudável olhar para as métricas certas e se perguntar se a empresa será lucrativa ou um buraco de recursos assim que escalar”, diz Paulo Veras. Com o dinheiro escasso, empreendedores devem focar nas métricas financeiras que sempre importaram para qualquer empresa. O momento, dizem especialistas, é de amadurecimento do mercado de startups. É a nova economia se encontrando com os dilemas que sempre estiveram presentes na velha.