Nos últimos sete meses, a taxa de referência de juros no Brasil, conhecida como Selic, sofreu seis reduções, caindo de 13,75% para os atuais 10,75% ao ano. Esta tendência de corte de juros gerou expectativas de um efeito cascata no mercado de crédito como um todo. Embora algumas taxas tenham diminuído nesse período, o custo do financiamento imobiliário permanece inalterado até o momento.
O desejo de adquirir a casa própria continua sendo um dos principais motivos para os brasileiros investirem, conforme destacado nas edições do Raio X do Investidor, produzido pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Esse objetivo é particularmente relevante para as classes sociais com menor renda, como indicado pelo Censo de Moradia do QuintoAndar.
Dessa forma, pode ser justificável considerar um financiamento imobiliário mesmo quando as taxas de juros não são as mais atrativas, especialmente para aqueles que têm o sonho da casa própria como prioridade. No entanto, enquanto as taxas permanecerem elevadas, muitos indivíduos continuarão excluídos do acesso ao mercado de crédito, limitando suas oportunidades de realizar esse importante investimento.
“De acordo com o Censo do QuintoAndar, existe um comprometimento da renda de 31% com o aluguel e de 27% da renda com a parcela do financiamento. Logo, isso significa que nos casos em que for possível dar a entrada no imóvel com o saldo do FGTS, o valor da parcela do financiamento é, em média, menor do que o valor do aluguel”, argumenta a assessora financeira Luciana Ikedo.
Quando a taxa Selic cai, é comum que as taxas praticadas pelos bancos também diminuam, inclusive aquelas voltadas para o financiamento imobiliário. No entanto, o impacto da redução da Selic nas linhas de crédito para compra de imóveis tende a ser limitado, devido ao fato de que esses financiamentos são de longo prazo. As instituições financeiras adotam uma postura cautelosa, levando em consideração não apenas as taxas atuais, mas também avaliando como os juros podem se comportar no futuro.
Evandro Alves, economista do grupo imobiliário QuintoAndar, destaca a importância da compreensão da “defasagem da política monetária”. Esta defasagem implica que as diretrizes estabelecidas pelo Banco Central levam cerca de seis meses para se refletirem nas transações reais do mercado. No entanto, é importante ressaltar que o período de defasagem pode variar dependendo de diversos fatores.
“A quantidade de meses pode variar bastante conforme o grau de incerteza dos agentes sobre qual o patamar que estabiliza os juros e que estará sendo praticado com segurança no mercado de crédito a médio e longo prazo. Oscilações podem levar as instituições financeiras a aguardar um tempo maior até se expor ao risco de alterar as taxas praticadas na economia real”, afirma. Para o especialista, as taxas irão cair, só é difícil de precisar quando e para qual patamar.
Conforme destacado por Rafael Sasso, especialista em mercado imobiliário do RisKnow, a expectativa é de que as taxas de financiamento imobiliário comecem a diminuir ainda este ano. Antes disso, porém, os bancos tendem a flexibilizar suas políticas de concessão de crédito. Ou seja, enquanto anteriormente um banco poderia financiar apenas 50% do valor do imóvel, gradualmente eles aumentam essa porcentagem, anunciando, por exemplo, que estão dispostos a emprestar até 70% do valor do imóvel. Essa abordagem visa atrair potenciais clientes, permitindo que realizem o financiamento com uma entrada mais acessível. Esse ajuste nas condições de concessão de crédito antecipa uma possível redução nas taxas de financiamento imobiliário e é uma boa notícia para aqueles que estão em busca da casa própria.
“Quanto às taxas, a redução vai acontecer naturalmente conforme a Selic cair, muito empurrado pela concorrência entre os próprios bancos. Quando algum banco sai na frente (geralmente um público como a Caixa), os outros costumam seguir. Além do mais, o crédito imobiliário é uma maneira de ampliar a base de clientes. Mas a Selic tem que continuar caindo para que essas quedas sejam repassadas”, afirma.
O mercado atualmente está expressando preocupações de que os cortes na taxa Selic possam ser menores ou de menor duração do que inicialmente previsto no início deste ano. Isso se deve, em parte, à alteração da meta fiscal anunciada pelo governo, que afetou o clima para redução de juros. Além disso, os altos juros nos Estados Unidos têm um impacto significativo nas taxas de países emergentes como o Brasil, criando um efeito cascata.
Por que as taxas não estão caindo?
Quanto ao porquê das taxas de financiamento imobiliário não estarem caindo, Sandro Gamba, presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), explica que a determinação dessas taxas é influenciada por diversos fatores. Entre eles estão a disponibilidade de poupança, o aumento do custo de captação de recursos e o comportamento da curva de juros de longo prazo, especialmente aquela com prazos superiores a dez anos. Esses elementos formam uma equação complexa que determina as taxas de financiamento imobiliário e podem impedir quedas imediatas, mesmo diante de cortes na taxa Selic.
“Com as informações atuais que temos, a taxa do financiamento não vai cair no curto prazo. Para este ano, não identifico razões nem tendência para ver possibilidade de redução na taxa”, afirma Gamba.
De acordo com Sandro Gamba, nas últimas semanas, as taxas de financiamento com prazos superiores a dez anos têm se mantido acima de 10% ao ano. Esse patamar torna-se inviável, do ponto de vista dos bancos, emprestar por taxas menores no longo prazo. Além disso, outro obstáculo para a redução das taxas tem sido a diminuição dos recursos provenientes da poupança, que são destinados ao crédito imobiliário.
A poupança é uma fonte crucial de captação de recursos para os bancos emprestarem aos compradores de imóveis. Como a poupança possui baixo rendimento, isso implica em custos menores para os bancos, permitindo-lhes repassar taxas mais baixas aos clientes. No entanto, a redução desses recursos da poupança tem dificultado a diminuição das taxas de financiamento imobiliário.
“A poupança ainda é uma fonte de recursos muito relevante para o crédito imobiliário. Na medida em que o estoque [da poupança] cai, é preciso buscar alternativas de captação e elas normalmente são mais caras e tendem a seguir mais de perto o movimento da Selic”, afirma. Nos últimos dois anos, os recursos de poupança minguaram, após o registros de consecutivos saques recordes.“
Embora tenha havido uma diminuição no volume de saques da poupança e, recentemente, os depósitos superaram os resgates, o estoque total ainda está abaixo dos níveis observados em 2020 e 2021, quando ultrapassou a marca de R$ 1 trilhão.
Para manter o crescimento da oferta de crédito, os bancos têm recorrido a outros instrumentos de captação, como as letras financeiras (LCI) e, em menor medida, os certificados de recebíveis imobiliários (CRI). Esses investimentos são oferecidos aos investidores com a promessa de uma remuneração geralmente atrelada ao CDI ou à inflação.
Devido à isenção de imposto de renda para os investidores, os bancos conseguem realizar captações a custos mais baixos. No entanto, à medida que a poupança perde espaço e os custos para os credores (ou seja, os bancos) aumentam, eles repassam essa conta para o cliente final. Isso se torna mais um obstáculo para a redução das taxas de financiamento imobiliário.
Neste cenário desafiador, Flávio Queijo, diretor imobiliário e de consignado do banco Inter, acredita que não haverá uma queda significativa nas taxas de juros nos próximos dois anos. Ele prevê que levará tempo para o Brasil voltar a ver taxas de financiamento imobiliário como aquelas praticadas em 2019 e 2020, quando estavam em torno de 7% ao ano.
É hora de financiar?
Quando se trata de decidir se é hora de financiar um imóvel, é importante considerar vários fatores. Embora uma pequena redução na taxa de juros possa representar uma economia significativa em empréstimos volumosos e de longo prazo, como os financiamentos imobiliários, há o risco de que esperar por taxas mais baixas resulte em um aumento nos preços dos imóveis.
Pedro Tenório, economista do DataZAP, ressalta a importância de os indivíduos acompanharem a valorização dos imóveis e avaliarem seu próprio contexto financeiro antes de tomar uma decisão. Ele lembra que, mesmo com taxas elevadas, a portabilidade de financiamento permite que até mesmo aqueles que adquirem imóveis agora se beneficiem de uma eventual redução nas taxas de juros no futuro.
“A tendência é, sim, de aumento de preços dos imóveis durante 2024, mas ela não está estritamente associada à queda das taxas de juros. No ano passado, por exemplo, os preços aumentaram acima da inflação mesmo com a Selic bastante alta. No entanto, a queda das taxas de financiamento e o consequente aquecimento do mercado tendem a acelerar o ritmo de aumento de preços”, afirma.
O aspecto mais crucial ao considerar um financiamento imobiliário é garantir que o negócio seja compatível com o orçamento familiar e não comprometa a estabilidade financeira. Se surgir uma oportunidade, como um imóvel abaixo do preço de mercado em um determinado bairro, pode ser interessante embarcar no financiamento, mesmo com as taxas de juros atuais elevadas.
Por outro lado, adiar a compra traz outra vantagem além da possibilidade de uma queda nas taxas de juros: o comprador pode juntar mais dinheiro para fazer uma entrada maior. Isso facilita a aprovação do crédito e resulta em menos juros pagos ao longo do financiamento, já que os juros incidem apenas sobre o valor do empréstimo, enquanto o valor da entrada não é afetado.
A assessora financeira Luciana Ikedo destaca que, para famílias que não têm investimentos financeiros e gastam toda a renda, comprar um imóvel financiado pode ser uma estratégia para construir patrimônio. Ela observa que o saldo do FGTS é atualmente remunerado pela TR mais 3% ao ano. Considerando que a valorização do imóvel pode superar essa remuneração, investir o FGTS em um imóvel pode ser mais eficiente do que deixá-lo parado.
No entanto, é fundamental garantir que as parcelas do financiamento não ultrapassem 30% da renda familiar, considerada um limite saudável para manter uma dívida de longo prazo sob controle.
Cuidado com o CET, que não é o do trânsito
É crucial ressaltar que as taxas de financiamento variam de acordo com a linha de crédito escolhida, a qual depende do indexador selecionado para o contrato. Indexadores mais voláteis, como IPCA e Poupança, geralmente apresentam taxas mais baixas, porém, também oferecem maior risco de flutuações nas parcelas e no total pago ao longo do tempo. Por outro lado, as linhas de financiamento tradicionais, atreladas à TR ou prefixadas, tendem a ter taxas mais altas, mas proporcionam uma condição mais previsível ao longo do tempo.
É importante entender que quanto menores as taxas, maior o risco. Além disso, é essencial ficar atento ao Custo Efetivo Total (CET) do empréstimo, que engloba não apenas as taxas de juros, mas também os seguros obrigatórios e tarifas. O CET representa o custo total do dinheiro que foi emprestado pelo banco, e deve ser o principal guia na busca pelo financiamento mais vantajoso. Compreender e avaliar o CET adequadamente é essencial para garantir uma escolha financeiramente consciente e favorável.
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Informações retiradas de Isabel Filgueiras à Valor Investe