Um estudo recente da Fundação João Pinheiro mostrou que a região metropolitana de Belo Horizonte teve o maior crescimento do Brasil no número de famílias com renda de até 3 salários mínimos em que o aluguel compromete mais do que 30% da renda. De 2016 para 2019 o número de famílias nesta situação passou de 51.121 para 81.734.
Márcia dos Santos, 45, faz parte das estatísticas. Há um mês nas ruas de BH ela se considera sortuda por conseguir levar seus pertences junto à barraca localizada na rua Rio de Janeiro. Uma geladeira, guarda roupa, alguns cobertores e um rádio são os objetos que ainda a fazem lembrar de sua antiga casa.
“Antes, eu tinha um barracão. Agora, sem dinheiro não tem como pagar aluguel. Eu só acho coisa acima de R$700 a R$800, e a minha renda atualmente é de R$400 do governo. Isso aqui foi tudo que sobrou antes de precisar vender tudo. Era isso ou comer”, conta. “O meu sonho é ter a minha casa de novo, nem que seja um barracão para me reconstruir”, desabafa a doméstica, que tenta arrumar um emprego formal desde 2015.
Assim como Márcia, diversas pessoas se encontram obrigadas a escolher entre pagar o aluguel ou garantir a alimentação. Esse cenário tem sido cada vez mais comum na região, que observa uma mudança no perfil dos moradores de rua, agora formado por jovens e núcleos familiares que ainda não conseguiram ingressar no mercado de trabalho. Na cidade, há mais de 10 mil famílias sem teto, entre elas, 9 mil em situação de rua.
“Hoje, você tem um desmonte das políticas federais e estaduais e praticamente toda a política de habitação é executada com recursos do município, e esses recursos não chegam a 1% do orçamento total da prefeitura. Isso para lidar com pessoas desabrigadas pelas enchentes, para auxiliar famílias em situação de rua, além de mulheres em situação de violência e vários outros públicos que demandam a habitação”, explica Bella Gonçalves, vereadora de Belo Horizonte.
Aparecida Pereira, 50, encontrou na Avenida Olegário Maciel um novo ‘lar’. Com a imagem do Santo Expedito, o único pertence que conseguiu levar, ela conta que foi para as rua há 6 meses, quando a família em que trabalhou como doméstica precisou dispensar seus serviços. Desempregada, o aluguel de R$500 ficou impossível de pagar, e morar com a filha não é uma opção.
“A casa dela é pequena. É triste estar na rua, mas quando tem problema na família, não adianta. Eu só quero alugar um barracão para mim, arrumar um emprego e ficar quieta. Não peço ajuda, não peço nada, eu só quero isso”, sonha a doméstica, que convive com a expectativa de conseguir alguma ajuda do governo e com a saudade da filha.Eu queria que ela me escutasse, prestasse atenção, mas ela não está nem aí, já casou. E eu não vou mentir, sinto falta, porque é a minha única família, mas nunca me imaginei nessa situação, não queria terminar assim depois de trabalhar desde os 10 anos de idade”, lamenta.
Aparecida relata ainda o perigo de se viver nas ruas “Ninguém respeita a mulher na rua. Eu já fui assaltada várias vezes, a (carteira) identidade já fiz a terceira via. O período da noite é o mais complicado e olha que eu sou velha, ninguém quer nada comigo. Mas uma vez um rapaz ficou perto de mim, e ficou pedindo para tocar partes íntimas dele, me chamando para o escuro. A sorte é que passaram dois rapazes e me ajudaram a ficar longe”, relembra Aparecida.
Déficit Habitacional
O déficit habitacional em Belo Horizonte atinge 56,4 mil moradias. Na região, no entanto, há pelo menos 64.444 residências e 17 mil lotes vagos, segundo dados do Observatório de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua.
Segundo estimativas do professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Roberto Andrés, só no centro de Belo Horizonte poderiam ser alocadas 25 mil pessoas em imóveis que atualmente estão vazios.
“Ainda temos inúmeros terrenos vazios que poderiam ser construídos novos prédios. A habitação e a moradia é um direito social estabelecido na Constituição e quem tem que prover é o Estado. A gente precisa avançar nessas políticas sociais até pra gente fazer valer a letra do que está estabelecido na Lei. O que a gente vê hoje são políticas muito pequenas frente ao tamanho do problema”, avalia.
Segundo o professor, a justificativa dada por agentes do poder público não se sustenta.
“A prefeitura tem condições de fazer uma política habitacional mesmo com poucos recursos, seja usando o IPTU progressivo ou desapropriando imóveis vazios. A PBH ainda pode aumentar seus recursos. A desculpa de que não tem recurso é uma escolha política.”
O especialista ainda critica a falta de envolvimento de todos os poderes. “A gente tem no Brasil uma concentração de poder maior na esfera federal, então, o governo federal, principalmente, tem condições de criar programas como foi “Minha Casa, Minha Vida” para fazer uma política habitacional junto com as prefeituras na cidade. Os governos dos Estados também têm terreno, que podem ser doados. A gente precisa que esses atores levem esse problema a sério em primeiro lugar.”
Falta de moradia e os cortes no orçamento
Enquanto o índice da população em situação de rua quadruplicou nos últimos anos em BH, os recursos destinados à Companhia Urbanizadora da região, têm caído e tido variações que não atendem a demanda. Em 2019 o investimento em políticas de habitação foi de R$83 milhões, em 2020 esse valor caiu para R$72 milhões. Os repasses de 2021 não ultrapassaram R$77 milhões.
Em nota, a prefeitura de Belo Horizonte informou que tem destinado recursos para projetos e obras do Programa Orçamento Participativo, além de atuar na manutenção de vilas e favelas, cujos gastos, segundo eles, já acumulam R$250 milhões desde 2019.
A prefeitura também destacou sua atuação no programa do Bolsa Moradia e Locação Social, nos quais são destinados valores de em média R$500 reais para subsidiar o aluguel. De acordo com a Secretaria de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, em 2017 eram 240 vagas no auxílio e agora são mais de 1.100, o que ainda não atende a demanda.
“Quintuplicamos as vagas para o ‘Bolsa Moradia’. Outras capitais têm nos procurado por conta da nossa mudança de metodologia, e das ampliações que temos feito. De 2017 a 2020, só nas políticas intersetoriais foram investidos mais de R$80 milhões em ações voltadas para o atendimento, considerando as políticas de assistência, saúde e segurança”, pontua Maíra.
Os recursos em assistência, segundo ela, dobraram nos últimos anos. “Eram R$12 milhões e agora temos R$24 milhões. É importante ressaltar que vivemos uma crise econômica muito séria no país, que impacta muito nesse contexto das pessoas em situação de rua, por isso, temos mudado nossa oferta de serviço, que não é voltada só ao acolhimento”, destaca a secretária, que cita a criação do programa “Estamos Juntos”, cujo objetivo é oferecer cursos de qualificação profissional e vagas em postos de trabalho para a população em situação de rua em BH.
Fonte: Itatiaia