Desde 2020, a China tem implementado uma série de medidas abrangentes no setor imobiliário, buscando conter o excesso de movimentos especulativos e assegurar um desenvolvimento sustentável a longo prazo. Para alcançar esse objetivo, o governo introduziu as “três linhas vermelhas”, um conjunto de regras destinadas a limitar a dívida acumulada por incorporadoras e construtoras. Isso visa mitigar o risco de instabilidade financeira resultante do endividamento excessivo no setor.
Além disso, a demanda especulativa por propriedades foi atenuada por meio do aumento dos custos de crédito imobiliário para indivíduos que já possuem imóveis. Essa medida visa desencorajar a compra de propriedades como investimento de curto prazo e, ao mesmo tempo, promover a habitação para uso pessoal.
Contudo, a dinâmica do mercado imobiliário foi impactada por fatores adicionais. A pandemia de Covid-19 desencadeou lockdowns e restrições, afetando a demanda e a capacidade de investimento no setor. Além disso, conflitos geopolíticos, interrupções nas cadeias globais de suprimentos, o movimento de regionalização da produção e uma recessão global contribuíram para a incerteza econômica.
Essa incerteza teve um impacto direto nas intenções de compra no setor imobiliário. Os compradores chineses demonstraram cautela diante das condições econômicas globais voláteis, optando por reter suas economias e adiar decisões de compra até que o cenário internacional se torne mais claro.
A atual situação do mercado imobiliário está marcada por ajustes de preços com descontos, principalmente em cidades menores, visando alcançar um novo equilíbrio entre oferta e demanda. No entanto, construtoras e incorporadoras que experimentaram rápido crescimento durante a fase de expansão estão enfrentando riscos nesse processo.
Um exemplo disso é evidenciado na China, onde duas das principais construtoras, Evergrande e Country Garden, estão passando por dificuldades financeiras. A Evergrande tomou medidas de proteção contra a falência ao entrar com pedido em Nova York, enquanto a Country Garden não conseguiu cumprir o prazo para pagamento de um empréstimo neste mês.
Essas construtoras se expandiram agressivamente durante o ciclo imobiliário, alavancando-se financeiramente em um cenário de dinheiro fácil e baixas taxas de juros, que variavam entre 1% e 2% nos anos anteriores. Esse crescimento foi sustentado por uma série de megaprojetos imobiliários, muitos dos quais envolviam aquisição de terrenos em regiões de alto valor em diferentes províncias da China.
Devido a mudanças no cenário econômico e uma queda nas vendas, duas importantes construtoras chinesas estão lidando com um efeito multiplicador ampliado que resultou em um aumento nos estoques de imóveis concluídos e não concluídos. Esse crescimento foi impulsionado pela redução de entrada de recursos financeiros e pelos gastos contínuos com obras em andamento, levando muitas empresas a níveis alarmantes de endividamento.
Agravando esses desafios financeiros está a possibilidade de taxas de juros de crédito elevadas (variando entre 5% e 6%) nos Estados Unidos. Essa situação é ainda mais complicada para as duas empresas, pois haviam obtido empréstimos em dólares, intensificando o problema de liquidez que enfrentam.
A reestruturação imobiliária vai desestabilizar o setor bancário?
O setor bancário chinês demonstra resistência diante das medidas governamentais anti-especulativas conhecidas como “três linhas vermelhas”, que visam conter riscos financeiros. Desde 2020, as construtoras enfrentam redução significativa em seu alto nível de endividamento, de acordo com suas demonstrações financeiras. Métricas relacionadas às dívidas, como dívidas em dinheiro, em capital e em ativos, estão decrescendo notavelmente.
Aproveitando o momento de desvalorização das construtoras, novos investidores e sócios já capitalizados estão aumentando seus investimentos, contribuindo para a diminuição da alavancagem financeira das empresas.
As construtoras têm concentrado esforços na conclusão de projetos em andamento, buscando uma entrega mais rápida. Essa estratégia não apenas agiliza a disponibilização dos imóveis, mas também preserva o valor dos ativos usados como garantia junto aos credores.
No âmbito dos bancos, os pagamentos dos mutuários de créditos imobiliários continuam regulares, respaldados pela notável taxa de poupança na China, uma das maiores do mundo. De acordo com dados da NBS, a taxa de poupança das famílias chinesas em relação à renda disponível tem mantido uma tendência crescente, atingindo 33% entre 2020 e 2022. Há indícios de que essa taxa tenha se elevado ainda mais em 2023, solidificando a estabilidade financeira do setor.
E o Brasil com isso?
O setor financeiro brasileiro está minimamente exposto aos problemas de endividamento das construtoras chinesas devido à baixa presença de títulos de dívida chineses em fundos de investimento, carteiras de crédito e bancos brasileiros. Ao contrário da crise imobiliária dos EUA em 2008, onde investidores brasileiros sofreram perdas, a exposição às ações das construtoras chinesas na Bolsa é insignificante.
Contudo, o impacto mais notável ocorreu no setor de minério de ferro, com a demanda e os preços da commodity em declínio devido à reestruturação. A demanda por madeira reflorestada e materiais de construção também sofreu impacto, embora a recuperação gradual do setor imobiliário possa sustentar alguma estabilidade nesses setores durante o ajuste.
Por outro lado, empresas brasileiras de construção e incorporação estão se beneficiando da situação, já que os materiais importados da China estão mais baratos, reduzindo os custos de construção e aumentando as margens de lucro. Além disso, a queda nos preços beneficia os compradores de imóveis no Brasil, contribuindo para reduzir a inflação no Índice Nacional de Custo da Construção (INCC/FGV).
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Informações retiradas de Hsia Hua Sheng à Money Times