Bancos regionais dos Estados Unidos enfrentam preocupações sobre a possibilidade de uma nova crise, com o New York Community Bancorp buscando uma injeção de capital, resultando em volatilidade no mercado financeiro. Após o anúncio de um aporte de US$1 bilhão, suas ações se recuperaram, encerrando o dia com um aumento de 8%.
Enquanto isso, a gestora Oaktree, liderada por Howard Marks, destaca o setor imobiliário comercial como altamente arriscado atualmente, especialmente no segmento de escritórios, devido à crescente adoção do trabalho remoto e híbrido em decorrência da pandemia, conforme apontado pela Oxford Economics.
Analistas apontam que as implicações macroeconômicas e os riscos associados não são uniformes no mercado imobiliário comercial. Embora os bancos possam restringir o crédito para a compra desses imóveis, há incerteza sobre se outras instituições não bancárias irão preencher essa lacuna, potencialmente exacerbando o problema.
Escritórios: o cerne do problema
A pesquisa mais recente da WFH revela que, desde 2022, cerca de 30% dos dias úteis completos foram passados trabalhando em casa, uma queda em relação aos 60% registrados em meados de 2020. Esta mudança no ambiente de trabalho tem impactado diretamente o mercado imobiliário comercial, com a demanda por escritórios diminuindo e a taxa de vacância aumentando em 900 pontos percentuais entre o quarto trimestre de 2019 e o quarto trimestre de 2023.
Como resultado, os valores dos escritórios estão sofrendo uma correção de preços histórica, deteriorando-se mais rapidamente do que a maioria dos outros setores imobiliários comerciais desde o pico cíclico em 2019. A Oxford Economics projeta que, até o final deste ano, os valores dos escritórios terão caído 28,6% desde o seu auge em 2019. Esta queda é comparável à desvalorização de 34,8% experimentada durante a crise financeira de 2008.
Quais mercados devem sofrer mais?
O aumento da vacância e a queda nos valores dos imóveis comerciais têm impacto diferenciado conforme a região e a idade dos edifícios. De acordo com dados da MSCI analisados pela Oxford Economics, entre 2019 e 2023, a vacância aumentou em todos os segmentos, mas os edifícios mais antigos, especialmente localizados nos centros comerciais centrais, foram os mais afetados, registrando um aumento acima da média.
Por outro lado, os edifícios mais novos, construídos após 1999 e situados nos subúrbios, apresentaram um aumento na vacância de cerca da metade do observado globalmente. Essa disparidade indica que os distritos comerciais centrais, como o CBD, são mais suscetíveis aos impactos do aumento da vacância e da queda nos valores dos imóveis comerciais do que os subúrbios.
Mercados de escritórios nas principais cidades dos EUA, como Boston, Los Angeles, Nova York, São Francisco e Washington DC, estão enfrentando desafios significativos devido ao aumento da vacância e à queda nos valores das propriedades. Esses mercados, que representam 42% do número total de propriedades de escritório nos EUA, são particularmente vulneráveis, especialmente aqueles com edifícios mais antigos localizados no centro da cidade.
O aumento da vacância e a queda nos valores podem ter um impacto significativo nessas áreas, destacando a importância de estratégias de gestão imobiliária para enfrentar esses desafios.
Qual o limite para perdas?
Em 2023, os testes de estresse conduzidos pelo Federal Reserve dos Estados Unidos revelaram que os bancos comerciais estão preparados para enfrentar cenários adversos, como uma queda de 40% nos preços dos imóveis comerciais e uma taxa de desemprego de 10%. A Oxford Economics destaca a importância de os bancos absorverem perdas em suas carteiras. No entanto, os custos econômicos variam de acordo com o tamanho do banco, sendo os menores mais expostos do que os maiores.
Os bancos com ativos entre US$1 bilhão e US$10 bilhões têm cerca de 35% de seus ativos em empréstimos imobiliários comerciais, o que é mais alto do que antes da pandemia e do que na década de 80. Apesar disso, a participação desses empréstimos entre os bancos menores diminuiu desde o pico anterior nos anos 2000. Nos bancos menores, o setor imobiliário comercial representa cerca de US$2 trilhões em empréstimos, sendo o maior componente, mas sua participação global é menor do que antes da pandemia.
De acordo com a Oxford Economics, a exposição dos bancos a problemas relacionados a escritórios comerciais é considerada improvável, dado que apenas uma pequena parcela dos empréstimos imobiliários comerciais é direcionada a escritórios, especialmente nos bancos regionais. A porcentagem é inferior a 5% para esses bancos menores e varia de 1% a 2% para os maiores.
Além disso, as provisões financeiras para proteção contra inadimplências aumentaram, e os ativos ponderados pelo risco são mais altos nos bancos menores em comparação com os maiores. Portanto, embora a queda nos preços dos escritórios represente uma ameaça à economia e à estabilidade financeira dos Estados Unidos, os analistas concluem que, no momento, a situação parece ser gerenciável.
Pequenos bancos estão relutantes em cortar crédito para setores como transporte, armazenamento e centros de dados, que estão se saindo bem. Isso pode intensificar problemas nos escritórios e resultar em padrões de empréstimos mais rigorosos em outros setores imobiliários ou empréstimos ao consumidor. A incerteza dos investidores tem mantido a atividade de transação de escritórios historicamente baixa, aumentando o risco de descoberta de preços.
Isso pode desencadear um efeito dominó, levando os bancos a reavaliar suas perdas potenciais no mercado e as provisões de perdas de crédito necessárias.
Bancos, principalmente os menores, enfrentam riscos crescentes devido à possibilidade de condições adversas nos escritórios, ampliação de problemas para outros setores imobiliários comerciais e deterioração do desempenho do crédito além do mercado imobiliário.
Uma nova crise de 2008?
Analistas destacam a singularidade de cada episódio de estresse financeiro, mas reconhecem a inevitabilidade das comparações, especialmente com a crise de 2008. No entanto, a Oxford apresenta uma análise que lança luz sobre paralelos mais próximos com a crise das associações de poupança e empréstimo (S&Ls) dos anos 80. Esta crise se caracterizou por depósitos voláteis, uma concentração elevada de empréstimos imobiliários entre instituições de menor porte e quedas substanciais nos preços dos imóveis.
A crise ocorreu porque as instituições buscavam investimentos de alto risco, potencialmente de alto retorno, em imóveis comerciais e utilizavam um segmento emergente do mercado de títulos, os títulos podres (junk bonds), para isso. Mas as associações daquela época eram muito pequenas para fornecer prêmios suficientes e as empresas cobertas muitas vezes eram mal administradas ou careciam de mais supervisão.
A crise das instituições de poupança e empréstimo (S&Ls) nos anos 80 e início dos anos 90 destacou a vulnerabilidade dos bancos comerciais. Cerca de 1.600 bancos faliram nesse período, mas as S&Ls enfrentaram uma proporção ainda maior de falências, representando 32% do total, em comparação com os 9% dos bancos comerciais. A crise das S&Ls foi um processo gradual, ao contrário do choque repentino da crise financeira global, mas ainda assim teve custos econômicos.
Analistas apontam que o impacto atual é limitado devido à presença crescente de empréstimos não bancários, oferecendo uma perspectiva mais otimista em relação aos desafios econômicos atuais.
Analistas concluem que o impacto econômico da crise atual nos escritórios não foi tão grave como se temia, devido à estabilidade das margens de juros líquidas, à capacidade dos bancos de gerenciar o risco de taxa de juros e ao uso de instituições não bancárias para crédito. No entanto, alertam que a crise pode gerar uma pressão persistente sobre a economia, com a redução do crédito devido a exigências mais rigorosas, surgidas após a crise dos bancos regionais no ano anterior.
Concorrência é risco negativo
Após a crise do ano passado, os credores não bancários mantiveram os empréstimos às empresas em níveis mais estáveis do que os bancos, ajudando a suavizar o impacto nas empresas. No entanto, analistas alertam que essa dinâmica pode representar um risco para o setor financeiro, já que a competição crescente pode pressionar os pequenos bancos regionais. Isso, combinado com desafios no mercado imobiliário, pode resultar na consolidação dessas instituições.
Vencimento dos empréstimos em 2024: risco adicional
A previsão de uma queda nos preços e uma mudança estrutural no setor imobiliário comercial dos Estados Unidos está levantando preocupações sobre o impacto negativo nos empréstimos de escritórios que vencem este ano. De acordo com os dados da Mortgage Bankers Association (MBA) de final de ano de 2023, cerca de 20% dos US$4,7 trilhões de hipotecas comerciais pendentes detidas por credores e investidores estão programadas para vencer em 2024.
Destas hipotecas, aproximadamente 25% estão garantidas por imóveis de escritórios. Analistas estão prevendo que uma parcela desses empréstimos de escritórios poderá se tornar problemática e/ou inadimplente, dadas as condições atuais do mercado.
A importância dos juros e risco sistêmico
O setor de crédito está enfrentando possíveis desafios, especialmente se o Federal Reserve (Fed) optar por manter taxas mais altas por um período prolongado para conter a inflação. Isso poderia levar a uma deterioração na qualidade do crédito, particularmente para escritórios, devido ao risco de taxas de juros.
O Fed destacou esses riscos em seu último Relatório de Estabilidade Financeira, alertando que uma queda nos valores dos imóveis comerciais, combinada com uma recessão leve, poderia resultar em perdas para várias instituições financeiras, incluindo bancos regionais e comunitários, além de seguradoras.
Analistas financeiros apontam que mesmo em cenários de deterioração significativa das condições econômicas, as chances de um resgate federal, semelhante ao ocorrido durante a crise das S&Ls, são baixas. Isso seria considerado apenas se a deterioração nos escritórios representasse um risco sistêmico para o sistema financeiro ou para a economia como um todo, o que até o momento não parece ser iminente.
O desenrolar do problema é crucial, podendo seguir um processo lento, como visto no caso das S&Ls, ou algo ainda mais preocupante.
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Informações retiradas de Marília Almeida à Valor Investe