A recente guerra entre Rússia e Ucrânia está longe do território brasileiro, porém o Brasil, assim como todas as economias do mundo, também sentirá o impacto deste conflito. O maior temor dos brasileiros, é que o resultado deste impacto chegará ao bolso da população justamente no momento em o país está com a inflação elevada e a taxa básica de juros na casa de dois dígitos. Vale destacar que os combustíveis são os componentes de maior peso do nosso principal índice de inflação (IPCA) e o petróleo precifica de imediato o conflito, tanto é que chegou ao maior patamar em sete anos logo com as primeiras notícias de conflito armado.
“Petróleo é reajuste na veia, pois pesa cerca de 4% no IPCA [somando gasolina, etanol e diesel]. Ou seja, qualquer aumento de 10% [no preço da commodity], já pesa 0,4 ponto porcentual no IPCA, o que é muita coisa. Lembrando que a inflação deste ano já está acima do teto da meta e tem uma perspectiva do Banco Central superar 12% de juros ao longo dos próximos meses”, explica Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.
Com capacidade para produzir mais de 10 milhões de barris de matéria-prima por dia, a Rússia é um dos maiores produtores de petróleo do mundo. Para se ter uma ideia, o Brasil não consegue produzir nem um terço disso – nossa produção gira em torno de 3 milhões de barris diários.
A representatividade do petróleo russo é tão grande que uma interrupção no fornecimento da commodity teria o poder de reduzir o Produto Interno Bruto (PIB) global em 2022. “Se os preços do petróleo subirem para US$125 ou mais por dois trimestres seguidos, isso resultaria em uma retração de 0,5% no PIB global”, diz relatório do UBS.
Taxa Selic como fica?
Outra questão que a guerra influencia é na taxa Selic, diminuindo drasticamente a possibilidade de um alívio no ciclo da escalada dos juros. Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o Banco Central deu sinal de que diminuiria o ritmo de alta de juros a partir do próximo encontro do colegiado. No entanto, o conflito no leste europeu não estava no radar da autoridade monetária e os economistas, que chegaram a acreditar que a Selic poderia sofrer cortes ainda este ano, agora estão céticos quanto a essa possibilidade.
“Esse ambiente mais conturbado, somando com as eleições aqui dentro, dificulta esse cenário de corte de juros ainda este ano, se tornando realidade”, afirma Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos. Por outro lado, ele acredita que o Banco Central deve manter o ritmo de ajustes no primeiro semestre conforme o previsto.
Impacto nos mercados e no dólar
A guerra na Ucrânia também pode trazer alta na inflação vinda do dólar. A moeda americana ultimamente é negociada no menor patamar em sete meses, devido ao apetite do investidor estrangeiro por ativos brasileiros, trazendo bilhões em divisas para a Bolsa. Com a aversão ao risco, a tendência é que a procura por dólar aumente – o investidor compra dólares para adquirir ativos mais seguros no exterior.
Como citamos acima, em um cenário mais extremo, a interrupção de um fluxo de petróleo russo aumentaria os prêmios de risco, diminuiria a expectativa de retornos globais e isso poderia desencadear perdas duradouras para o mercado de equity.
“Em um momento como este, de aversão a risco, é natural que os investidores saiam primeiro das Bolsas emergentes, ainda que a situação possa ‘dar um gás’ a ações como Petrobras PETR4, por exemplo”, explica Juan Espinhel, especialista em investimentos da Ivest Consultoria.
Preço dos alimentos também pode subir
O início de bombardeios e conflitos armados em território ucraniano coincide com um período delicado para a produção agrícola. Agora é justamente o período de desenvolvimento das lavouras de trigo, que começa a ser colhido no segundo trimestre. É também uma das épocas do ano em que os dois países mais exportam milho.
A Rússia também é um grande fornecedor de insumos agrícolas e está entre os maiores exportadores de fertilizantes nitrogenados (como amônia e uréia) do mundo. O Rabobank destaca que a Rússia foi responsável por 22% dos 41,1 milhões de toneladas de fertilizantes importados pelo Brasil em 2021.
Juntas, Ucrânia e Rússia respondem por quase um terço das exportações globais de trigo (28%) e um quinto das exportações de milho (18%).
“Apesar de produzirem menos do que outros grandes players globais, os dois países exportam uma grande parte do milho e trigo que produzem [54%], portanto têm um papel importante na dinâmica do comércio global”, explica a equipe de análise do Itaú BBA.
“Uma escalada do conflito nas próximas semanas poderia afetar a lavoura de trigo, em atual estágio de desenvolvimento, enquanto o milho poderia ser impactado em termos logísticos, dado que o primeiro trimestre é sazonalmente mais forte em termos de exportação”, diz o BBA.
O banco projeta uma queda de 19% nas exportações globais de milho, caso as vendas de Ucrânia e Rússia sejam totalmente interrompidas. Isso deixaria o Brasil mais dependente da chamada “safrinha”, a segunda safra que é plantada entre os meses de janeiro e março. A previsão do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) é de que os estoques de milho no Brasil fiquem bem abaixo da média no final de 2022, com a demanda da produção de ração e etanol de milho.
No caso do trigo, 85% do que é importado pelo Brasil vem da Argentina. Mas ainda que Rússia e Ucrânia respondessem por uma parcela bem menor, de 2%, poderíamos enfrentar preços mais altos, segundo avaliação do Itaú BBA.
“Uma diminuição no fornecimento dessas regiões não diminuiria a disponibilidade de trigo em si, mas provavelmente resultaria em preços de importação mais altos”, afirmam os analistas do banco. O BBA ressalta que os estoques globais da matéria-prima têm caído nos últimos três anos, devido ao uso do trigo na fabricação de ração, no lugar do milho e da soja.
“Se houver disrupção na cadeia produtiva, esperamos um declínio ainda maior para os estoques, fazendo com que os preços continuem altos na colheita da próxima temporada”, escreveram os analistas.
Bruno Fonseca, analista do banco, explica que em qualquer situação de guerra, é esperado um aumento expressivo de preços, que vinham em queda, mas agora podem ficar mais caros do que os praticados no ano passado.
“Como em um primeiro momento o conflito tende a acontecer em território ucraniano, a princípio não teria interrupção de fornecimento. Mas é algo que não dá para descartar”, comentou Fonseca.
Fonte: Infomoney