Uma economia mundial que já enfrenta uma inflação furiosa, turbulência no mercado de ações e uma guerra extenuante enfrenta mais uma ameaça: o desenrolar de um boom imobiliário maciço.
À medida que os bancos centrais em todo o mundo aumentam rapidamente as taxas de juros, fica cada vez mais caro o crédito imobiliário e as pessoas que já estavam se esforçando para comprar seus imóveis, estão chegando ao seu limite.
Os efeitos estão sendo vistos em países como Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia, onde os mercados imobiliários residenciais antes aquecidos, de repente esfriaram. É uma reversão acentuada de anos de preços em alta, alimentados por taxas de crédito baixíssimas e estímulos governamentais, juntamente com uma pandemia que popularizou o trabalho remoto e levou os compradores de casas à caça de espaços maiores.
A análise da Bloomberg Economics mostra o possível risco de uma bolha imobiliária em 19 países da OCDE, analisando cinco indicadores, dos quais dois são principais:
- a relação “Preço x Retorno investimento”: é o índice que estabelece uma relação entre o preço de um imóvel com o valor do retorno/renda pelo investimento. Quando o valor deste indicador é muito alto isso significa que o preço para compra de um imóvel está muito acima do valor para alugar o mesmo imóvel, concluindo que é mais benéfico alugar do que comprar.
- e a relação “Preço x Renda familiar”: esse índice permite avaliar a capacidade que as pessoas tem de pagar por um imóvel. Se o seu valor for muito elevado significa que a pessoa demorará mais tempo a pagar pelo imóvel e o esforço financeiro será maior.
O país com maior risco de bolha imobiliária é a Nova Zelândia, seguida da República Checa, Hungria, Austrália, Canadá e Portugal. Em Portugal por exemplo, há dois indicadores que estão no vermelho: o preço das casas é 56% superior ao retorno de investimento e quase 47% superior a renda das famílias. Tendo em conta os dados trimestrais mais recentes, o preço real das casas em Portugal aumentou 11,6% e o preço nominal 9,4%. Já o crédito imobiliário caiu 2%.
Conseguir domar os preços é uma parte fundamental da politica monetária, que busca conter a inflação mais rápida em décadas. Mas, à medida que os mercados estremecem com as perspectivas de uma recessão global, uma desaceleração no setor imobiliário pode criar um efeito cascata que aprofundaria uma queda econômica.
A queda dos preços dos imóveis corroeria a riqueza das famílias, prejudicaria a confiança do consumidor e, potencialmente, reduziria o desenvolvimento futuro.
“O perigo é que o volume financeiro e de negócios diminuam simultaneamente, o que pode levar a recessões mais duradouras”, disse Rob Subbaraman, chefe de pesquisa de mercados globais da Nomura Holdings Inc. “Após uma década de taxas baixíssimas, podemos conhecer o outro lado da moeda em breve, à medida que o poder de compra diminuir e os juros aumentarem consideravelmente”.
Tal cenário prejudicaria os empréstimos bancários à medida que o risco de empréstimos ruins aumentasse, sufocando o fluxo de crédito do qual as economias prosperam. Nos EUA e na Europa Ocidental, a crise imobiliária que precipitou a crise financeira, prejudicou os sistemas bancários, governos e consumidores por anos.
Ainda assim, um colapso no estilo de 2008 é improvável. Os credores estão sendo mais criteriosos, as poupanças das famílias ainda são robustas e muitos países ainda têm escassez de moradias. Os mercados de trabalho também são fortes, proporcionando um importante amortecedor.
“Os preços mais baixos terão um efeito direto nos gastos do consumidor e em toda a economia, já que normalmente os imóveis representam uma parte significativa da riqueza das famílias”, disse Tuuli McCully, chefe de economia da Ásia-Pacífico no Scotiabank. “No entanto, como a renda das famílias nos principais mercados permanecem saudáveis, não estou particularmente preocupado com os riscos relacionados aos preços das casas e à economia mundial.”
“Ainda assim, o risco de uma queda acentuada nos preços é claramente maior quando há um aperto global sincronizado da política monetária“, disse Niraj Shah, da Bloomberg Economics, em Londres. Mais de 50 bancos centrais aumentaram as taxas de juros em pelo menos 0.50 ponto percentual de uma só vez este ano, com mais altas esperadas. Nos EUA, o Federal Reserve elevou na semana passada sua principal taxa de juros em 0.75 ponto percentual, seu maior aumento desde 1994.
Os mercados imobiliários da Nova Zelândia, República Tcheca, Austrália e Canadá estão entre as maiores altas do mundo e são particularmente vulneráveis à uma queda dos preços, segundo a Bloomberg Economics. Portugal está especialmente em risco na área do euro, enquanto a Áustria, Alemanha e Holanda também correm risco de bolha imobiliária.
Na Ásia, os preços das casas na Coreia do Sul também parecem vulneráveis, de acordo com uma análise da S&P Global Ratings. Esse relatório observou os riscos do crédito das famílias em relação ao PIB nominal, a taxa de crescimento da dívida das famílias e a velocidade dos ganhos no preço da habitação. Em outros lugares da Europa, a Suécia viu uma reviravolta dramática na demanda por habitação, despertando preocupação em um país onde a dívida é de 200% da renda familiar.
Um resfriamento substancial nos mercados imobiliários é uma razão importante pela qual as economias desenvolvidas provavelmente desacelerarão. Os bancos centrais estão emitindo seus próprios alertas. O Banco Central do Canadá disse este mês que os altos níveis de dívida hipotecária são particularmente preocupantes à medida que as taxas de juros aumentam e mais famílias se veem sem ter como pagar as contas.
Já o Banco Central da Nova Zelândia, disse que a ameaça geral ao sistema financeiro é limitada, mas é possível um declínio “acentuado” nos preços das casas, o que pode reduzir significativamente a riqueza das famílias e levar a um corte nos gastos por parte do consumidor.
“À medida que os juros dos empréstimos aumentam, os mercados imobiliários enfrentam um teste crítico”, disse Shah, da Bloomberg. “Se os banqueiros centrais agirem de forma muito agressiva, eles podem plantar as sementes da próxima crise.”
Fizemos um resumo do risco de bolha imobiliária nos mercados em todo o mundo.
NOVA ZELÂNDIA
Se 2021 foi o ano em que o aumento no preços dos imóveis na Nova Zelândia atingiu alturas vertiginosas, com um aumento anual de quase 30%. Já 2022 está se tornando o ano em que a música para – e a mudança abrupta tem deixado as pessoas confusas.
Em março, Jonathan Milne decidiu que era hora de vender sua casa no subúrbio de Onehunga, em Auckland, e comprar uma casa maior nas proximidades por NZ$ 2 milhões (R$6,6 milhões). Ele e sua esposa, Georgie, estavam otimistas com uma venda rápida e um bom preço pela antiga casa, que foi avaliada em NZ$1,8 milhão (R$5,9 milhões).
Tudo isso mudou 1 mês depois, em abril, quando o Banco Central tomou medidas agressivas para combater a inflação, elevando a taxa oficial em 0.50 ponto percentual para 1,5% – seu maior aumento em 22 anos. E antes mesmo que a população absorvesse a notícia, houve outro aumento de 0.50 ponto percentual em maio e uma projeção para a taxa chegar próxima a 4% no próximo ano.
A casa de Milne deveria ser vendida em maio por meio de leilão, um método popular de venda de casas na Nova Zelândia, mas nem um único licitante apareceu para o evento.
“O que não prevíamos era que seria tão difícil vender a nossa casa”, disse Milne, o editor-chefe de 47 anos de um site de notícias. “Sabíamos que cada semana que passasse reduziria mais NZ$100.000 (R$330 mil) no preço.”
No final do mês passado, eles aceitaram uma oferta que Milne descreveu como “ultra inferior” a avaliação inicial do preço do imóvel.
Economistas esperam que os preços das casas na Nova Zelândia caiam cerca de 10% este ano e possam cair até 20% em relação ao pico do final de 2021. Embora para muitos proprietários isso seja um pequeno declínio em comparação com os enormes ganhos de capital nos últimos anos, provavelmente haverá efeitos mais amplos.
O economista-chefe do ANZ Bank, prevê gastos moderados do consumidor devido a população estar se sentindo mais pobre por causa da queda dos preços das casas, o impacto das taxas de juros mais altas na renda familiar, bem como os preços mais altos de alimentos e energia.
“Existem famílias que compraram suas casas no ano passado com uma taxa de 2,5% de hipoteca, e de repente, estão lidando com uma taxa de hipoteca mais próxima de 6%”. disse Jarrod Kerr, economista-chefe do Kiwibank em Auckland. “Com certeza haverá alguma dor”.
Preços em alta devem dar lugar a quedas no próximo ano
CANADÁ
O mercado imobiliário no Canadá mudou tão rápido que alguns compradores estão perdendo dinheiro em suas propriedades antes mesmo de concluir a venda.
“As pessoas estão tentando a todo custo sair de acordos”, disse Mark Morris, um advogado imobiliário de Toronto que citou um exemplo de um imóvel, que após o fechamento da compra, o valor avaliado diminuiu C$200.000 (R$816 mil) em algumas semanas. Isso deixou o comprador disposto a desistir da entrada de C$100.000 (R$408 mil) para evitar o fechamento, disse ele. “Eu sou chamado várias vezes ao dia, por várias pessoas que acham que pagaram caro demais.”
Esses casos estão surgindo depois que o Canadá registrou a primeira queda no preço dos imóveis em dois anos, em abril deste ano, seguida por outra queda em maio. Embora até agora a dor tenha se concentrado nos mercados de cidades que viram os maiores surtos de pandemia – Toronto e suas regiões vizinhas – as tensões já estão começando a se espalhar para mercados anteriormente quentes como em Vancouver também.
Em Toronto preços caíram quase 9% desde fevereiro
Assim como em outros países, a turbulência no mercado imobiliário do Canadá está sendo causada pelo aumento agressivo da taxa de juros do Banco Central, que já passou de 0,25% no início do ano para 1,5% hoje. Com taxas ainda mais altas esperadas, alguns economistas dizem que os preços das casas podem cair até 20% nas principais cidades.
É uma mudança drástica em um país que viu os preços subirem mais de 50% nos últimos 2 anos, desde o início da pandemia. Com os preços superando rapidamente o crescimento dos salários, a esperança de alguns canadenses de adquirir a tão sonhada casa própria, veio abaixo.
ESTADOS UNIDOS
Mabel Melendi percebeu que o mercado imobiliário na Flórida, estava desacelerando depois de ficar uma semana sem receber nenhum lead sobre uma casa recém-construída que ela anunciou em meados de abril. Para efeitos comparativos, 3 meses antes Melendi havia anunciado uma casa semelhante, e em três dias já tinha recebido uma oferta pela casa.
Mesmo depois de três cortes de preço – derrubando o preço inicial de US$510.000 para US$425.000 – e mais dois meses após o anúncio, ela ainda continua procurando compradores em meados de junho. Uma oferta chegou no último fim de semana, mas o comprador passou na analise de crédito.
“A maioria das pessoas não passa na analise de crédito para o mesmo valor que uns meses antes passaria”, disse Melendi.
As taxas de hipoteca nos Estados Unidos, aumentaram só este ano, mais do que os últimos 50 anos. Para se ter uma ideia, a taxa de juros para um financiamento por 30 anos atingiu 5,78% na semana passada, a maior desde 2008. Isso levou a cortes de preços tanto para construtoras quanto para proprietários que estão com imóveis à venda, à medida que a demanda esfria rapidamente.
Quase 20% dos imóveis anunciados para venda, tiveram seus preços reduzidos no período de quatro semanas. A participação foi maior em algumas cidades que se tornaram “quentes” durante a pandemia para pessoas que buscavam imóveis com preços acessíveis. Em Boise, Idaho, por exemplo, 41% dos imóveis baixaram os preços em abril. Em Cape Coral, era cerca de um em cada três.
Como anda a redução nos preços dos imóveis?
“Os proprietários estão percebendo que os valores não vão continuar subindo no mesmo ritmo que antes, e que os compradores estão cada vez mais pressionados devido ao aumento da taxa de juros”, disse Daryl Fairweather, economista-chefe da Redfin. “Os preços vão ter que cair para atender a demanda”, disse ela.
Após um aumento estimado de 18% em 2021, os preços dos imóveis residenciais nos EUA devem crescer em um ritmo mais moderado de 10% em 2022 e 5% em 2023.
Os efeitos dessa desaceleração, está repercutindo no setor imobiliário: Redfin e Compass Inc. disseram na semana passada que vão demitir funcionários após o repentino desaquecimento do mercado.
REINO UNIDO
O mercado imobiliário do Reino Unido também está começando a desacelerar após dois anos de crescimento histórico. Como parte das medidas na pandemia, os compradores de imóveis foram isentos do imposto “stamp tax” sobre propriedades avaliadas em até £500.000 (R$3,2 milhões) entre julho de 2020 e junho do ano passado, fazendo com que os preços subissem ainda mais e tornando o mercado imobiliário “aparentemente separadas do resto da economia”, disse Tom Bill, chefe de pesquisa de imóveis residenciais do Reino Unido.
Atualmente, o Banco Central da Inglaterra aumentou a taxa de juros, 5 vezes nos últimos meses, com mais altas programadas. Isso pode pressagiar um desaquecimento no setor imobiliário para o resto do ano, com mais oferta se tornando disponível à medida que os proprietários correm para tentar superar a queda nos valores.
Depois de “Boom habitacional”, preço médio desacelera
As aprovações de novos financiamento caíram para o menor nível em quase dois anos. O número de interessados em adquirir um imóvel também vem caindo desde maio deste ano, depois de oito meses consecutivos de aumento, de acordo com uma pesquisa da Royal Institution of Chartered Surveyors.
“As pessoas estão preocupadas com a economia, sobre como a guerra na Ucrânia afetará os preços e o aumento do custo de vida”, disse Aneisha Beveridge, chefe de pesquisa da imobiliária britânica Hamptons International. “Todos estão mais cautelosos.”
Em uma medida extrema, o Banco Central da Inglaterra decidiu que irá suspender a analise de crédito, que avaliam a capacidade de um comprador honrar com o pagamento de suas hipotecas, a partir de 1º de agosto deste ano. Isso pode aumentar o risco das pessoas adquirirem um imóvel que depois elas não conseguem pagar.
Ainda assim, o mercado está otimista: “Enquanto o Reino Unido for visto como um país com um estado de direito, boas escolas e respeito à propriedade privada, o dinheiro sempre fluirá”.
Fonte: Blomberg