Em meio à escassez de propriedades disponíveis para aluguel e a um aumento na demanda em toda a Europa, diversas cidades têm enfrentado elevações significativas nos preços dos aluguéis. No entanto, Lisboa se destaca nesse cenário já inflacionado, vivenciando um aumento excecionalmente acentuado nos custos habitacionais.
A capital de Portugal, Lisboa, tem consistentemente figurado entre as cidades com os maiores índices em várias avaliações internacionais que analisam os custos habitacionais e as tendências de alta, expondo a crise habitacional que afeta o país.
Uma análise recente realizada pela empresa de consultoria Savills, divulgada no Financial Times, destacou que Lisboa testemunhou um dos aumentos mais rápidos nos preços de aluguel nos últimos meses, em comparação com outras cidades europeias. As taxas atuais refletem um impressionante aumento de 43% em relação aos observados em dezembro de 2021.
No início de agosto, um levantamento realizado pela empresa Housing Anywhere revelou que Lisboa se destacou como a cidade europeia com o custo mais elevado para alugar apartamentos do tipo estúdio ou de um quarto, dentre as 23 cidades analisadas.
De acordo com dados do Idealista, um dos principais serviços de anúncios imobiliários em Portugal, o preço por metro quadrado para aluguel na cidade foi registrado em 18,7 euros (equivalente a cerca de R$98,42) no mês de julho. Essa tendência de preços elevados também tem sido observada em outras regiões portuguesas, incluindo o Porto e os municípios na área metropolitana de Lisboa.
“Tempestade Perfeita” afetou preços
Segundo o economista Pedro Brinca, professor da Nova Business School, Portugal enfrenta uma situação de preços extremamente altos, especialmente no setor imobiliário, devido a uma combinação de fatores que se desencadearam após a grande recessão de 2011, quando o país recorreu a um resgate financeiro da troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia).
Brinca destaca que o aumento dos preços das habitações é particularmente notável em Portugal desde o término da recessão. Isso se deve, em primeiro lugar, ao fato de que os valores das propriedades partiram de patamares relativamente baixos. Em segundo lugar, a crise financeira resultou em uma redução significativa na capacidade de construção no país. Em terceiro lugar, o choque na oferta de habitações foi agravado pela diminuição na construção pública e cooperativa.
A atual elevação das taxas de juros e o aumento dos custos do crédito habitacional estão gerando complicações financeiras para as famílias em Portugal, tornando os financiamentos uma opção menos acessível para muitos cidadãos. Isso é exemplificado por um caso recente de um imóvel de um quarto em Almada, município próximo a Lisboa, que foi anunciado por 800 euros, cerca de R$4.209.
Este imóvel recebeu uma enorme demanda, com mais de 100 contatos e pedidos de informações em apenas três dias. O apartamento teve 15 visitas em menos de quatro horas e o proprietário já recebeu três propostas imediatas. É importante ressaltar que o salário-mínimo em Portugal é de 740 euros (R$3.894), evidenciando a disparidade entre os custos imobiliários e os rendimentos dos cidadãos. Esse cenário está contribuindo para um desafio crescente no acesso à habitação para muitos portugueses.
Interessados fazem “leilão” para alugar imóvel
O aquecimento do mercado imobiliário em Portugal tem gerado práticas recorrentes de exigência de cauções antecipadas superiores ao limite legal de dois meses de aluguel, apesar das regulamentações locais. Em resposta, alguns candidatos a inquilinos, especialmente estrangeiros como brasileiros, têm oferecido antecipações de vários meses como estratégia para assegurar moradia em um mercado competitivo. Esse fenômeno é mais evidente entre os que carecem de fiador ou comprovação de histórico de renda.
A falta de habitação acessível tem levado muitos imigrantes a compartilhar residências superlotadas e insalubres, como revelado por uma série de incêndios recentes em Lisboa. Esse cenário enfatiza os desafios que os imigrantes enfrentam ao se estabelecerem em Portugal, destacando a necessidade de soluções para garantir a habitação adequada e segura para todos.
Um trágico incêndio ocorrido em fevereiro em um espaço comercial adaptado para moradia irregular resultou na morte de dois cidadãos indianos e ferimentos em 14 imigrantes de diversas nacionalidades, incluindo Nepal, Paquistão, Bangladesh e Argentina. Este incidente ressalta a crise habitacional em Portugal, que afeta especialmente os jovens.
Comparados a outros países da União Europeia, os jovens portugueses saem mais tarde da casa dos pais, enquanto o aumento dos aluguéis de quartos prejudica o acesso ao ensino superior. No último ano, os preços dos quartos para estudantes aumentaram mais de 10%, com uma média de 349 euros por mês em todo o país e 450 euros em Lisboa.
Aluguel compulsório para imóveis residenciais devolutos
Em fevereiro, o governo português introduziu um abrangente conjunto de medidas, conhecido como “Mais Habitação”, com o objetivo de conter o aumento dos preços de imóveis e aliviar as finanças das famílias em Portugal. No entanto, muitas dessas medidas foram posteriormente suavizadas pelo Parlamento. Em julho, os deputados aprovaram a legislação resultante desse pacote.
Surpreendentemente, na semana passada, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, optou por vetar o texto, devolvendo-o à Assembleia da República. Em sua declaração, o chefe de Estado reconheceu a crise habitacional que o país enfrenta, ao mesmo tempo em que expressou críticas severas tanto ao governo quanto às propostas apresentadas.
Um ponto de controvérsia central no pacote de medidas foi a inclusão da possibilidade de implementar o aluguel compulsório para propriedades residenciais desocupadas. No entanto, o presidente Rebelo de Sousa expressou forte oposição a essa medida, classificando-a como a mais polêmica do conjunto. Ele especificamente alvejou a previsão de aluguel compulsório para imóveis residenciais vazios.
Na versão final da legislação aprovada pelos deputados, a iniciativa de aluguel compulsório foi consideravelmente limitada em seu alcance. A medida será aplicável apenas a propriedades localizadas em centros urbanos que tenham permanecido desocupadas por um período mínimo de dois anos.
Primeiro-Ministro António Costa e seu Partido Socialista, detentores da maioria absoluta no governo, planejam aprovar novamente uma lei de apoio habitacional, apesar do veto presidencial. O partido possui os votos necessários para superar o veto e não pretende fazer alterações na lei.
Enquanto isso, medidas como um auxílio mensal de até 200 euros para famílias com mais de 35% da renda destinada ao aluguel e facilidades para renegociar empréstimos habitacionais com os bancos já estão em vigor. Contudo, os requisitos rigorosos associados a essas iniciativas limitaram sua abrangência.
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Informações retiradas de Giuliana Miranda à Folha de S.Paulo