Sabemos que geralmente uma ideia inicia-se no exterior e logo em seguida estará presente também no Brasil. A novidade da vez é uma nova modalidade de locação residencial está surgindo nos Estados Unidos e tem inclusive dificultado a compra da casa própria por americanos de baixa renda. Trata-se dos “proprietários-robôs”, que nada mais são do que administradoras que tem comprado casas em massa, através de análises de dados e depois disponibilizando para locação residencial por gerenciamento remoto sem praticamente qualquer tipo de interação humana. Ficou confuso? Explicaremos melhor…
Ligada a um fundo de investimentos, a Imagine Home é uma das empresas que está trabalhando com uma forma de locação residencial operada por algoritmos. Poucos funcionários administram 1.500 casas em quatro estados e providenciam a aquisição rápida de outras tantas. Como fazem isso?
A empresa automatiza a maior parte das tarefas que geralmente eram feitas manualmente pela imobiliária, corretores e até mesmo os próprios proprietários. Mas a automação dos processos não teria nada demais se não fossem alguns aspectos inusitados nessa história. Não há, em nenhum momento da negociação, qualquer forma de interação humana. E as residências, ao contrário do que se pode imaginar, geralmente são de baixo poder aquisitivo e muitas vezes precisando até mesmo de reformas.
Como é na prática o proprietário “automatizado”?
Na maioria dessas empresas, os processos são totalmente automatizados e digitalizados, e não se limita apenas a uma chave para a auto-visita. É o processo inteiro, do início ao fim, sem humanos.
Inicia com as visitas autoguiadas e senhas que substituem as chaves. As locações e pagamentos são feitos por meio de aplicativos. Os pedidos de reparo também são colocados em uma fila on-line, para funcionários internos responderem ou encaminharem para terceirizados realizarem o serviço (empreiteiros locais).
O reporter Nick Keppler, resolveu testar o modelo e contou sua experiência: “Segui o endereço do anúncio até uma casa vazia em Pittsburgh. A casa ficava em um beco, aos fundos de uma igreja. A caixa de correio estava cheia e encharcada pela chuva. O site da imobiliária escaneou meu rosto através do aplicativo e de alguma forma confirmou que eu me pareço com a foto do documento que enviei anteriormente. Recebo imediatamente uma mensagem com um código-chave temporário de seis dígitos. Não há ninguém esperando para me cumprimentar quando entro. No interior, há uma sala de estar pintada de branco, uma cozinha com móveis de aparência nova e dois quartos simples no andar de cima. Há também um pequeno quintal. De estranho apenas o banheiro, que fica no porão inacabado. Meu palpite é que algum morador da casa retirou o banheiro no andar de cima para construir o segundo quarto. Assim que saio da casa, recebo uma mensagem automática perguntando se quero solicitar o aluguel do local por $ 1.590 por mês. Assim como na visita, eu poderia passar por todas as outras etapas – assinar o contrato, pagar o caução, me mudar e até morar lá por alguns anos – sem falar com ninguém. Ninguém me daria uma chave, apenas uma senha. Esta tem sido a experiência de alguns inquilinos reais da Imagine Home.“
Isso foi o que ocorreu com Nick Osborne, um estudante de medicina, que alugou uma casa de três quartos. Há dois anos morando no local, nunca interagiu pessoalmente com ninguém da empresa, exceto um funcionário que foi realizar um reparo que ele havia solicitado. “A mudança foi bastante simples. Todas as informações foram deixadas em uma pasta dentro da casa e todos os documentos e senhas fornecidos eletronicamente. Não houve interação direta com ninguém” disse ele.
Mas o modelo de negócios está causando polêmica entre os especialistas. Segundo eles, em um momento em que a escalada dos preços das residências está afastando mais pessoas da possibilidade de compra da casa própria, a automação do proprietário tem ajudado as empresas de investimento a possuir uma porcentagem crescente de pequenas residências nos EUA, agravando a situação. Como eles fazem a aquisição através da análise de dados, compram rapidamente diversas casas de uma determinada região, imediatamente após serem colocadas a venda.
Os interesses de Wall Street
A locação residencial sem interação humana está fazendo desaparecer a figura do proprietário tradicional e do seu corretor de imóveis, aqueles que de alguma forma se importam com a casa, faz pequenos consertos, prepara a residência para o novo morador e apresentam o imóvel.
Inclusive, quando a ideia era expandir os negócios comprando novas propriedades para alugar, o proprietário deveria possuir um profundo conhecimento do mercado imobiliário local e disposição para procurar e preparar as novas propriedades para receber os inquilinos. Com isso, o mercado tradicional de aluguel se restringia aos pequenos proprietários que no máximo, possuíam propriedades em uma única cidade.
Mas segundo Desiree Fields, professora de Geografia e Estudos Metropolitanos Globais da Universidade da Califórnia, depois do crash de 2008, empresas de análise de dados começaram a mapear as principais execuções hipotecárias. Com isso, empresas lastreadas em títulos passaram a adquirir uma quantidade maciça de pequenas casas para aluguel, a maioria com hipoteca executada.
E rapidamente algumas dessas empresas se transformaram em gigantes. A maior delas, a Invitation Homes, tem mais de 80 mil casas em 16 estados.
Já a American Homes, fundada pelo magnata B. Wayne Hughes, tem mais de 58 mil em 22 estados. E até o chefe da Amazon, Jeff Bezos, comprou a tendência de gerenciamento remoto com a Arrived Homes, uma plataforma que compra casas e oferece ações a investidores imobiliários para obter lucro.
Essas empresas de investimento detêm apenas 3% do mercado de locação residencial, mas mesmo assim já saturaram algumas áreas. Atlanta é uma delas. Lá, pelo menos um de cada cinco aluguéis pertence a essas empresas, que continuam se expandindo.
Compra da casa própria pode ficar cada vez mais difícil
Para os especialistas em habitação, esse tipo de empresa torna ainda mais difícil a compra da casa própria pelos americanos de baixa e média renda. Isso porque essas casas, geralmente antigas e na faixa de 300 m², costumam ser justamente as mais acessíveis para esse público.
De acordo com Brendan McKay, presidente da Associação de Especialistas Independentes em Hipotecas, ainda não há muitos dados sobre o efeito dos proprietários automatizados nos preços das casas.
Por outro lado, o mercado de casas do segmento está se tornando escasso, porque essas empresas usam ferramentas de dados para encontrar e comprar imóveis em ritmo acelerado.
“Os dados habitacionais são inseridos em um algoritmo, que os analisa em termos de conveniência e comodidades da vizinhança, proximidade de centros de emprego, facilidade de transporte, tipo de construção e necessidades de reparo”, diz Fields.
Segundo ela, esses dados são o suficiente para que essas empresas tomem decisões em frações de segundo e adquiram o imóvel. E sequer há uma inspeção visual – que para um proprietário tradicional seria uma obrigação.
Por outro lado, a Imagine Homes ampliou o conceito de proprietário robô por sequer ter um escritório nas localidades de seus aluguéis.
Reparos nas casas tem sido calcanhar de aquiles
No entanto, a automação não resolve todos os problemas, como a questão dos reparos. Quando ocorre algum problema, o inquilino contata a empresa também de modo eletrônico. Após aberto o chamado, a empresa encaminha um tercerizado para realizar o reparo, e é aí que os problemas começam.
De acordo com Fields, algumas empresas tem procurado soluções tecnológicas para confirmar se os reparos que eles solicitam a empresas terceiras, estão sendo executados a contento. É feito um rastreamento via GPS dos funcionários conforme eles se movem de um trabalho para outro, exigindo fotos do celular para confirmar os reparos concluídos. Mas isso não substitui a inspeção no local feita por um humano. E essa tem sido a maior dor de cabeça para essas empresas. Problemas comuns, como canos com vazamentos e curtos-circuitos, tem sido sido o foco de constantes reclamações, com o aumento da divulgação de diversos vídeos no Youtube e nas redes sociais feita por inquilinos e por vezes são assuntos até na imprensa americana, o que tem gerado uma onda de desconfiança por parte de novos inquilinos.
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Informações retiradas do Vice.