O Índice Geral dos Preços do Mercado (IGPM), também conhecido como “inflação do aluguel” vem perdendo destaque em contratos de locação de fundos imobiliários. A troca por índices menos voláteis tem sido uma alternativa e já há quem aposte que os dias do IGP-M no mercado imobiliário estejam contados. Influenciado pela elevação dos preços das commodities e pela desvalorização do real, o IGP-M registrou forte alta nos últimos dois anos. O indicador chegou a bater 37% no acumulado de 12 meses encerrados em maio de 2021. De lá para cá, o índice apresentou sucessivas quedas.
A desaceleração dos últimos meses é explicada pela estabilização da taxa de câmbio e pela inversão de tendência no preço das grandes commodities, tanto agrícolas como minerais. O índice fechou 2021 na casa dos 17%, abaixo dos 23% do ano anterior, mas ainda acima do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Diante deste cenário de elevação do IGP-M, os fundos imobiliárias cada vez mais discutem a necessidade de alterar o índice de correção dos contratos de locação, pelo menos cinco deles trataram sobre tal mudança nos últimos dois meses.
André Braz, coordenador dos índices de preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV) conta que a perda de espaço do IGP-M no reajuste dos alugueis não surpreende, ele ressalta que o índice não foi criado para indexar contratos do setor imobiliário: “O IGP-M começou a ser usado por não ter, na época, muita diferença em relação ao IPCA e, ao mesmo tempo, ser medido por uma instituição independente”, relembra Braz. “A partir daí houve o copia e cola dos contratos e o indicador foi se tornando padrão neste tipo de vínculo”.
Na opinião do coordenador Braz, a forte elevação do IGP-M durante a pandemia deve servir de lição para os agentes econômicos repensarem sobre o que é melhor índice para os seus negócios. “O que a gente tem de pensar é qual a metodologia do contrato em discussão. O IPCA pode ser bom para o inquilino cuja receita esteja mais vinculada ao índice. Mas será que é bom para o proprietário? Essa é a pergunta que o mercado terá de responder”, provoca.
Os gestores de fundos de “tijolos”, que obtém ativos com alugueis de imóveis e os de fundos de “papel”, que investem em títulos de renda fixa indexadas a índices de inflação, concordam que a era do IGP-M no setor imobiliário está acabando.
André Catrocchio, diretor de Risco e Relações com Investidores da Hectare Capital comenta que “havia um apego ao IGP-M que vem do passado, do período de hiperinflação, quando os imóveis eram negociados em dólares. O IGP-M responde melhor às oscilações do câmbio. O mercado precisou de uma inflação na casa dos 30% para entender que não faz sentido ficar indexando contrato de aluguel ou de compra e venda com o IGP-M. Desde 2020 já percebemos uma mudança significativa neste cenário. Boa parte das operações hoje está indexada ao IPCA – algo na proporção de 90/10“
Entre os fundos de “tijolo”, o SP Downtown (SPTW11) confirmou a troca do índice de reajuste do contrato de locação do imóvel Badaró, no centro de São Paulo (SP), alugado para a Atento, empresa da área de call center. Nos próximos 12 meses, o fundo adotará o IPCA ao invés do IGP-M, previsto até então no contrato. Segundo comunicado do fundo ao mercado, o IGP-M não refletia a realidade brasileira. A negociação para a mudança de índice de correção envolveu a prorrogação da vigência do contrato de locação do imóvel, de 2027 para a 2030.
Vale ressaltar também o fundo Tellus Properties (TEPP11) que seguiu a mesma estratégia e anunciou a mudança do IGP-M para o IPCA em três contratos de locação nos edifícios São Luiz e Torre Sul, ambos em São Paulo. A negociação envolveu os inquilinos Allpark Empreendimentos, Sertrading e o banco Santander.
Casos em que a mudança do índice vai para a justiça
Em alguns casos, a troca do índice não aconteceu de forma tão “amigável”. Um exemplo é o da Agaxtur, agência de viagens e turismo que optou em pedir a mudança na Justiça, locatária do REC Renda Imobiliária (RECT11) até 2025, a empresa ocupa imóvel de quase 2 mil metros quadrados no Jardim América, em São Paulo (SP), e reivindica que o valor do aluguel seja atualizado pelo IPCA, e não mais pelo IGP-M. De acordo com o FII, a justiça negou o pedido de urgência solicitado na análise do caso. O fundo promete tomar as medidas cabíveis em relação à ação proposta pelo inquilino.
O FII Hospital da Criança (HCRI11) também passa por situação semelhante à do REC Renda Imobiliária. A Rede D’OR, locatária do hospital, pediu na Justiça que o valor do aluguel fosse reajustado pelo IPC (Índice de Preços ao Consumidor), e não mais pelo IGP-M. A Justiça atendeu, de forma provisória, o pedido da Rede D’OR. Enquanto o FII Hospital da Criança recorre da decisão liminar, que determinou a substituição do índice de reajuste, o segmento de fundos imobiliários reforça o debate sobre um novo índice que garanta, de forma mais eficiente, as necessidades de proprietários e inquilinos.
Catrocchio sugere a possibilidade de um índice próprio para o setor, como o INCC para construção civil. O coordenador ainda afirma que não sabe “se o IPCA será o predominante porque também não acompanha 100% a dinâmica do mercado imobiliário. Mas entre os dois, com certeza, o índice do IBGE vai prevalecer”.
Qual é o impacto para o investidor?
Pensando no longo prazo, José Navikas, analista de investimentos da Necton, afirma que a manutenção do IGP-M seria mais interessante para o investidor “se você pegar a série histórica, na maior parte do tempo o IGP-M estará mais alto do que o IPCA“.
Navikas ainda lembra que a troca do indexador não pode ser considerada como mudança ruim para o cotista. Segundo ele, os casos devem ser analisados individualmente e o investidor precisa estar atento as contrapartidas envolvidas na mudança.
O analista da Necton cita o exemplo da recente negociação envolvendo o Green Towers (GTWR11), proprietário do imóvel de 138 mil metros quadrados que serve de sede administrativa do Banco do Brasil, em Brasília. A pedido da instituição financeira, o fundo aceitou negociar a política de reajuste do aluguel. Um dos pontos previa a troca do IGP-M por um índice fixo de 11,5% ao ano.
As condições propostas pelo fundo para a mudança, estavam o aumento da duração do contrato e a revisão da multa rescisória caso o locatário desista do imóvel. As demandas foram aceitas pelo Banco do Brasil. O acordo foi recebido bem pelos investidores e as cotas do Green Towers registraram valorização de 25% em dezembro, maior alta do período.
Projeções para 2022
As recentes previsões sobre os indicadores econômicos, diminuem as eventuais preocupações dos investidores com a troca de indexadores negociada pelos FII’s com os inquilinos “para os próximos meses, projetamos a continuidade no aumento da taxa de juros e já começaremos a observar uma inflação mais controlada”, prevê Navikas. “Desta forma, o impacto dos índices de inflação, seja qual for, não será tão grande. Não devemos esperar, para 2022, um aluguel subindo tanto como nos anos anteriores”.
A perspectiva favorece os fundos de “papel” que mantêm títulos e recebíveis indexados à taxa CDI (certificado de depósito interbancário), que se beneficiam com a elevação da taxa básica de juros da economia nacional, a Selic, atualmente em 9,25% ao ano – e que pode chegar, na projeção da Necton, a 11% no final de 2022.
Navikas, afirma que “na nossa carteira recomendada de fundos imobiliários, já estamos trocando fundos de ‘papel’ com portfólios mais indexados à inflação por carteiras mais atreladas à taxa do CDI, exatamente porque já vemos o movimento de aumento dos juros e arrefecimento da inflação“.
No caso do IGP-M, a desaceleração mais acentuada está prevista exatamente para este ano. De acordo com Braz, a expectativa é que em maio o índice já esteja perto de 10%, resultado muito mais próximo ao do IPCA. A tendência deve se manter ao longo de 2022 e deverá fixar uma diferença na casa de um ponto percentual entre os índices.
Sobre a previsão, Braz pondera o risco de se fazer estimativa de um índice como o IGP-M, dada a sensibilidade em relação aos fenômenos climáticos, oscilações do câmbio e preços internacionais. “Especialmente em um ano eleitoral que pode estimular oscilações no câmbio e, consequentemente, pressão no IGP-M”, diz.
Fonte: Infomoney