O cenário de inflação vem sendo o tema principal da pauta econômica há bastante tempo, mas a divulgação do último índice do IPCA foi histórica. O acumulado de janeiro a dezembro de 2021 foi de 10,06%, maior inflação do país desde 2015 e o terceiro pior resultado entre as 20 maiores economias do mundo.
O IBGE vem acompanhando os preços e confirmou que 88% sofreram uma elevação nominal em 2021. O grande aumento foram sobre os combustíveis (alta que corresponde por quase metade de toda a pressão inflacionária), a energia (que teve um crescimento de 21,21% com a bandeira vermelha, por conta da crise hídrica) e os alimentos, em especial as carnes.
Mas as previsões dos economistas para este ano, são que 2022 será “menos pior” em comparação ao ano anterior, com projeções de que a inflação cairá pela metade. Isso deve acontecer porque alguns dos fatores que ajudaram a criar a tempestade perfeita para a alta de preços em 2021 serão revertidos ou, pelo menos, amenizados. Por isso, para compreender essa perspectiva, é preciso entender primeiro o contexto de como a situação nos levou até aqui.
Porque a inflação evoluiu tanto em 2021?
O primeiro motivo foi um choque de oferta: a paralisação das economias com a pandemia ocasionou um desligamento das cadeias de produção e distribuição, o que resultou na falta de produtos em diversos lugares e essa escassez pressionou os preços. No Brasil, a carne passou a ser ainda mais fortemente exportada para a China, o que além de acentuar a desabastecimento interno, referenciou seu preço ao dólar.
Quando finalmente algumas economias começaram a retomada, a busca por petróleo subiu bruscamente e o preço do barril saltou de US$40 para US$70, alta que acabou chegando aos preços locais dos combustíveis e, a partir daí, prejudicou toda a cadeia produtiva.
Em paralelo, o real sofreu uma forte desvalorização, agravada pelo risco fiscal e político, o que também colaborou com a alta de preços como insumos, combustíveis e commodities. E até o clima não colaborou com estiagem ou chuvas acima do esperado, o que provocou a perda de safras e fez os preços dos alimentos dispararem.
O economista Piter Carvalho, da Valor Investimentos, comenta que “boa parte da nossa inflação é do lado da oferta e não da demanda. Não é a nossa população que está com dinheiro no bolso e consumindo cada vez mais. Muito pelo contrário: a inflação tem corroído os salários, principalmente das famílias mais pobres. É diferente do que ocorre nos Estados Unidos, onde a economia reagiu rápido, a população ganhou cheques do governo e quer consumir”
Então, por que se espera uma trégua da inflação em 2022?
“Porque alguns dos fatores que pesaram em 2021 estão arrefecidos”, responde Fábio Gallo, professor de finanças da FGV-EAESP. “A situação fiscal deste início de ano está melhor que o esperado. Ainda não é confortável, estamos em ano de eleição e não sabemos o que um governo populista poderá fazer. Mas era esperado um déficit primário em 2021, com dívida bruta acima de 100% do PIB, e ocorreu um superávit primário.”
Com o restabelecimento das cadeias, é esperado que o choque de oferta se dilua e os preços das commodities sejam equilibradas. Não é possível cravar com exatidão o que acontecerá com o câmbio, mas existe uma visão de que o dólar já está precificado demais e, ainda que a tensão pré-eleitoral possa gerar solavancos, não haveria mais espaço para outra alta forte. Além disso, talvez a diferença mais forte em relação a 2021, é que estávamos em um ambiente de juros baixos, com a Selic em 2% ao ano, e entramos em 2022 com a taxa básica a 9,25%, e podendo ultrapassar os 11%.
Eduardo Correia, professor de economia do Insper comenta que “na metade do segundo semestre de 2020, a inflação já estava acelerando. Mas o Banco Central demorou demais para mudar a política monetária, ele só começou a reajustar a Selic para cima em março deste ano. O Banco Central ficou muito refém daquele diagnóstico de início de pandemia, em que era preciso dar estímulo monetário, e acabou perdendo o timing do combate à inflação.“
Porque a taxa Selic tem um papel importante na missão de controlar a inflação?
A Selic é um dos principais instrumentos de política monetária do Banco Central. A alta da Selic atua no combate à inflação em duas frentes: por um lado, ao aumentar o retorno pago pelos investimentos, ela atrai o interesse de investidores estrangeiros para o país e, por tabela, a entrada de dólares. Isso ajuda a desarmar uma parte da bomba da inflação, que é o dólar caro.
Por outro lado, os juros altos geram uma desaceleração da economia, porque encarecem o crédito e derrubam a demanda, o que ajuda também a reduzir a inflação. Mas essa não é a melhor solução para o controle inflacionário, principalmente no momento atual, onde a inflação no país não se dá devido à demanda, ou seja, não é causada pelo consumo compulsório dos brasileiro, mas sim de oferta. Então, não são os juros altos que vão garantir a queda dos preços da gasolina ou energia.
“O custo mais alto do dinheiro torna o investimento mais difícil, reduz a atividade, fecha postos de trabalho. Este será um ano bastante duro, marcado pela estagflação. Para a população de baixa renda, o cenário de juros altos, inflação alta, queda de renda e desemprego é particularmente ruim. Vai faltar comida na mesa do brasileiro, infelizmente” afirma Gallo.
Outro problema dessa solução é que os juros altos tornam a dívida pública mais cara, o que acaba agravando o problema fiscal do governo. “Nossa política fiscal já tem todos os problemas que conhecemos: irresponsabilidade, populismo. Será que o BC vai perseguir o combate à inflação, doa a quem doer? Vamos ver por quanto tempo ele vai sustentar uma Selic alta”, diz Correia.
Se o dólar continuar caro e o lado fiscal não tiver nenhuma melhora, isso não deveria levar a uma manutenção da pressão inflacionária, em vez de arrefecimento? Como esperar alívio da inflação se o cenário não mudar?
“Se o dólar permanecer no preço atual ou variar pouco, grande parte desse movimento já foi incorporado aos preços, então não haverá grande impacto na inflação”, responde Flávio Oliveira, head de renda variável da Zahl Investimentos.
“Se o dólar passar a cair, a gente terá um cenário interessante, porque ele será um fator de deflação. Por outro lado, se a moeda americana continuar subindo, esse será o pior cenário, porque teremos novas ondas inflacionárias”, completa.
O atual cenário do câmbio tem grande ligação com os fatores domésticos. Focos de tensão emergem da cena política de tempos em tempos, o que impede que a moeda caia abaixo da zona dos R$5,50. O problema é que a animosidade só tende a crescer com a aproximação da campanha eleitoral, e a questão fiscal está caminhando lado a lado com a política.
“Ainda há muito risco fiscal pela frente. A maior preocupação é com o que Jair Bolsonaro poderá fazer para tentar ir para o segundo turno”, afirma o professor da FGV. “Os agentes de mercado viram que o Congresso alterou regras constitucionais muito facilmente para acomodar mais gastos do governo. A baixa da inflação depende de Bolsonaro não tomar nenhuma atitude populista que complique demais o lado fiscal.”
Para que chegamos de fato em uma queda da inflação, quais fatores que não dependem do Brasil ou não estão no controle?
Um deles é a evolução dos preços das commodities, que está totalmente fora do nosso controle e tem grande peso sobre a inflação brasileira, que interfere no preço sobre alimentos e combustíveis. Se esses preços não se estabilizarem, não há possibilidades de a inflação ceder.
Outro – e talvez o que esteja sendo acompanhado mais de perto – é a política monetária de outros países, em especial os Estados Unidos. Se o Federal Reserve realmente cumprir o que está anunciando e elevar juros, isso atrairá mais dólares para o Estados Unidos e acentuará a depreciação do Real, o que se refletirá em maior inflação por aqui.
Ainda existe a pandemia, onde novas variantes da COVID-19 têm puxado uma quebra nas produções, fazendo com que as entregas atrasem, impactando a cadeia global e gerando um problema para inflação de oferta. Também devemos torcer pela ajuda do clima, o Brasil precisa, no momento, de chuva em lugares corretos para controlar a bandeira de energia e, por fim, acabar com a escassez hídrica, o que reduzirá o preço da energia.
Quando falamos em “queda da inflação” o que se está dizendo é que haverá apenas uma desaceleração do aumento dos preços, mas eles vão continuar subindo? Ou pode haver uma efetiva redução de preços de mercadorias? A população sentirá essa queda da inflação no dia a dia?
“Ninguém espera por uma deflação [queda de preços], e sim por uma inflação menor [ritmo mais lento de subida dos preços], a gasolina, por exemplo, pode até ter variações negativas de preço de semana para semana, dada a política de preços da Petrobras que reflete cotações lá fora. Isso também pode acontecer com algumas commodities, quando as cadeias de suprimento forem restabelecidas, mas será algo pontual e não geral. A expectativa para 2022 não é de deflação.” afirma Correia
Gallo explica que o piso de inflação previsto pelo mercado é de um pouco mais de 5% para 2022, 3,5% para 2023 e 3% em 2024 – a depender, é claro, de todos os fatores explicados. “É apenas uma desaceleração, não estamos dizendo que será o fim da inflação. Fazendo uma conta simples com essas projeções, chegamos a uma inflação acumulada de 15% em 2 anos e quase 20% em 3 anos. É muita inflação para qualquer população, e ela vai sentir na pele, como aliás já está sentindo”, conclui o professor da FGV.
Fonte: 6 minutos