A escalada de preços está dificultando para muitas pessoas na América Latina encontrar uma casa para alugar. A onda de inflação global tem levado à perda de poder de compra dos salários, ao passo que o custo do crédito atingiu níveis recordes. Comprar uma casa tornou-se muito caro devido ao aumento frenético das taxas de juros, levando muitos a optarem por alugar uma moradia.
No entanto, essa demanda crescente por aluguéis está contribuindo para a elevação dos preços do aluguel, tornando ainda mais desafiador encontrar um lugar acessível para morar na região. Essa tendência de alta começou no final da pandemia de covid-19, mas os maiores aumentos ocorreram em 2022.
“Parte da alta dos preços é explicada como uma recuperação após sua queda durante a pandemia”, disse Vinicius Oike, analista do Grupo QuintoAndar, à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC. “Os preços subiam e desciam na forma da letra U”, diz.
Pesquisa QuintoAndar
De acordo com dados compilados pelo site de locação QuintoAndar, o custo médio do aluguel de apartamentos em diversas cidades da América Latina apresentou variações significativas entre março de 2022 e março de 2023. Algumas cidades se destacaram ao registrar aumentos acima da simples recuperação econômica.
Em Buenos Aires, na Argentina, o preço médio do aluguel de apartamentos subiu surpreendentes 126%. A Cidade do México registrou um aumento de 12%, seguida por São Paulo, no Brasil, com 11,2%. Quito, no Equador, teve um aumento de 10,9%, enquanto a Cidade do Panamá registrou um aumento de 6,3%. Lima, no Peru, também viu um aumento no custo médio de aluguel, atingindo 6,3%.
Buenos Aires: ‘É a lei da selva’
A Argentina enfrenta um grave problema inflacionário, com uma taxa anual de quase 109%, tornando-se o país mais afetado do Cone Sul. A situação tem causado grandes dificuldades para os moradores, como Paula Serenelli, uma chefe de família de 35 anos que vive com seu filho em Villa Lugano, em Buenos Aires. Paula afirma que pagar o aluguel tornou-se uma tarefa extremamente difícil para ela. No ano passado, o aluguel aumentou em 90%, e este ano é esperado outro aumento ainda maior. Paula considera essa situação ultrajante.
Gastón Levy, de 38 anos, também enfrenta uma situação semelhante. Ele reside em Palermo, uma área de alto poder aquisitivo em Buenos Aires, onde não é incomum o aluguel superar o aumento da inflação. A crescente disparidade entre os custos dos aluguéis e a inflação tem afetado negativamente a capacidade dos moradores de manterem suas moradias.
De acordo com Gervasio Muñoz, presidente da Associação de Inquilinos, embora exista uma lei que regule o mercado de aluguéis na Argentina, ela não é efetiva na prática. Os aluguéis em Buenos Aires são regidos pela “lei da selva”, onde os aumentos podem ser significativos e frequentes.
Muñoz observa que os aluguéis aumentaram em 87%, o que é considerado bom em relação à taxa de inflação, que foi ainda maior. No entanto, outras pessoas relatam aumentos médios de 60% a cada seis meses, indicando a falta de estabilidade no mercado.
Os especialistas acreditam que, enquanto a inflação no país continuar alta, os preços dos aluguéis em Buenos Aires não devem diminuir. No restante das maiores economias da região, a escalada inflacionária está atingindo fortemente as famílias, mas longe dos níveis dramáticos experimentados pela Argentina.
Cidade do México: ‘Procuro alugar e está difícil’
No México, o preço dos aluguéis na capital está seguindo uma tendência semelhante ou ligeiramente acima do aumento geral do custo de vida, que atualmente é em torno de 10% de inflação. De acordo com Leonardo González, analista imobiliário da empresa propiedades.com, os aluguéis têm sido reajustados em média entre 10% e 15%.
González explica que esse aumento nos preços dos aluguéis pode ser atribuído a três fatores principais. Primeiro, há a alta geral da inflação que afeta os custos em todos os setores.
De acordo com especialistas, os preços do aluguel em bairros de alta renda da Cidade do México estão sofrendo um aumento significativo, chegando a até 40%. Essa escalada nos preços está diretamente relacionada à chegada dos chamados “nômades digitais”, que muitas vezes recebem salários em dólares.
Os bairros mais centrais da cidade estão passando por um processo de “gentrificação”, conforme relatado por Óscar García, morador da Colonia del Valle, cujo aluguel aumentou em 30%. Esse fenômeno é impulsionado pela demanda desses nômades digitais, profissionais que trabalham remotamente e podem ganhar em moedas estrangeiras.
“Estou procurando alugar e está difícil”, diz. “Chegaram muitos estrangeiros que podem pagar preços altos e há casas que são alugadas exclusivamente pelo Airbnb.”
Projeções de especialistas sugerem que o preço do aluguel na Cidade do México continuará crescendo. Em outras capitais latino-americanas, os aumentos nos preços dos aluguéis foram menores.
Bogotá: inferior à inflação geral
A regra estabelecida na Colômbia de ajustar os preços dos contratos de locação de acordo com a taxa de inflação registrada em dezembro do ano anterior não está sendo cumprida na prática. De acordo com o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) de dezembro de 2022, que ficou em 13%, os valores atuais deveriam sofrer um aumento correspondente. No entanto, muitas negociações estão ignorando essa tendência e não estão seguindo o ajuste esperado.
No mercado de aluguel, surge um problema que afeta tanto proprietários quanto inquilinos. Por um lado, os proprietários arriscam perder dinheiro ao reduzir os preços de aluguel, especialmente quando dependem dessa renda para seu sustento, considerando-a como uma espécie de pensão. Por outro lado, os inquilinos enfrentam dificuldades em arcar com um aumento de 13% no valor do aluguel.
Diante dessa situação, a negociação desempenha um papel fundamental na definição do aumento real do preço do aluguel. Segundo Sergio Olarte, economista-chefe do Scotiabank Colpatria, é por meio das negociações que se chega a um consenso entre proprietários e inquilinos, buscando equilíbrio e evitando prejuízos para ambas as partes.
Em um cenário em que o Departamento Administrativo Nacional de Estatísticas (Dane) ainda não divulgou dados específicos sobre os preços de aluguel discriminados por cidade, especialistas têm oferecido estimativas baseadas nas tendências nacionais. De acordo com Olarte, renomado especialista do setor imobiliário, Bogotá provavelmente seguiu a tendência nacional, experimentando um aumento próximo a 7% nos preços de aluguel.
Olarte ressalta que o futuro comportamento dos preços de aluguel dependerá fortemente da inflação geral do país.
São Paulo: o boom dos microapartamentos
São Paulo, a maior cidade comercial e financeira do Brasil, está enfrentando um aumento significativo nos preços dos aluguéis, com um aumento de cerca de 11% no último ano, de acordo com o QuintoAndar. Após a pandemia, a cidade experimentou um boom imobiliário, tanto no mercado de vendas quanto no de locação. Uma tendência interessante é a crescente demanda por microapartamentos, especialmente entre os jovens.
Esses imóveis compactos, com menos de 30 metros quadrados, são construídos em locais estratégicos, próximos às estações de metrô, oferecendo conveniência e acessibilidade aos moradores.
Lima: ‘Os preços vão continuar subindo’
Apesar da crise política e econômica que assola o Peru, os preços de aluguel em Lima não apresentaram queda significativa. Embora o aumento seja menor em comparação com outras cidades latino-americanas, o valor médio continua a subir, embora com grandes variações entre os diferentes distritos da cidade. Segundo Luciano Barredo, gerente de marketing do Grupo Navent, todos os bairros de Lima têm preços acima dos níveis anteriores à pandemia.
Ao analisar os anúncios de aluguel, verifica-se um aumento médio de 6,3% no último ano em Lima. No entanto, Barredo ressalta que os valores anunciados geralmente sofrem redução durante as negociações, o que coloca o aumento real em torno de 2,8%.
Esse fenômeno, segundo ele, é influenciado por fatores como a inflação geral — que fechou em 8% no ano passado —, a queda nas vendas de casas devido às altas taxas de juros dos empréstimos hipotecários, a taxa de câmbio e a incerteza causada pelo contexto político do país.
Soma-se a esse panorama o fato de que “na área metropolitana de Lima há muito poucos terrenos disponíveis e os materiais de construção subiram muito depois da pandemia”, diz Barredo.
Santiago: abaixo da inflação
O valor dos aluguéis na capital chilena não acompanhou a alta inflação registrada em abril, de cerca de 10%. De acordo com Daniel Serey, gerente de estudos do portal imobiliário TOCTOC, o preço dos aluguéis subiu apenas 2,1% por metro quadrado, o que indica uma queda real no valor. Essa divergência pode ser explicada pelo fato de muitos aluguéis no Chile serem vinculados a um índice chamado Unidade de Fomento (UF).
Em Santiago, Chile, os preços dos aluguéis não têm aumentado como em outras capitais, de acordo com Serey, especialista no assunto. Isso ocorre devido à complexa situação habitacional enfrentada na região. O mercado imobiliário chileno está sob pressão intensa devido a um grande déficit habitacional e ao crescimento dos assentamentos informais e acampamentos.
Esses fatores contribuem para a estabilização dos preços de aluguel, mesmo quando consideramos a correção pela inflação e a conversão para a Unidade de Fomento (UF), resultando em uma queda de 9,5% no valor real dos aluguéis.
A situação econômica atual está desacelerada, resultando em menos pessoas comprando casas e optando pelo mercado de aluguel. Segundo um analista, enquanto as construtoras continuarem criando novos projetos, os preços serão mantidos sob controle. No entanto, se a indústria diminuir o ritmo de construção, os preços poderão subir.
Especificamente nas cidades latino-americanas, onde os valores dos aluguéis têm aumentado rapidamente, Vinicius Oike, do QuintoAndar, prevê um possível resfriamento do mercado neste ano e no próximo, devido ao crescimento econômico mais lento. Esse cenário dependerá da evolução da combinação de crescimento, inflação e taxas de juros em cada país, além de possíveis notícias econômicas vindas do exterior.
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Informações retiradas de BBC à Globo