Uma nova mudança na configuração dos imóveis em São Paulo está acontecendo. Para além da evidente verticalização, há a presença cada vez maior de apartamentos compactos. Somente entre 2014 e 2020 foram 240 mil novos lançamentos. Em contrapartida, os prédios comerciais, que caracterizam a cidade, são cada vez mais difíceis de encontrar, um ‘caminho sem volta’, segundo aponta especialistas.
Os bairros Jardins, Pinheiros e Vila Mariana estão entre os mais procurados. O perfil típico de público que busca por essas regiões são pessoas mais novas, solteiras e casais sem filhos, que agora priorizam imóveis próximos ao trabalho, aos comércios e serviços essenciais.
Studios e apartamentos de até 45m² tiveram muita procura pelas classes média e alta em 2019, segundo levantamento de engenheiros e arquitetos da USP. Muitos apartamentos já entregues seguem ainda sem morador, por isso a mudança é sentida aos poucos. O isolamento gerado pela pandemia também aumentou a sensação de insegurança nos antigos moradores. Agora, a dúvida que fica para os especialistas é se haverá ou não adesão à moradia compacta, caso não, muitos serão os prédios com apartamentos à espera de inquilinos.
O decreto de 2016, relacionado à Lei de Zoneamento, classifica os imóveis compactos como ‘não residenciais’, sendo estes serviços de hospedagem ou moradia. Não sendo essas unidades contabilizadas na área construída, em alguns casos elas são erguidas sem as taxas que geralmente são cobradas.
Entre os anos de 2016 a 2020, 64 edifícios, distribuídos entre quitinetes não residenciais e apartamentos residenciais, foram lançados, conforme estudo da USP realizado pelo professor João Meyer com dados da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp). Nesta conta, não estão incluídos imóveis econômicos cujo valor é de até R$240 mil.
Do ponto de vista geográfico, a grande maioria de studios e microapartamentos estão localizados em bairros nobres das zonas sul e oeste. Na região norte de Santana e na zona leste do Tatuapé há também um número expressivo. Quase metade desses imóveis ficam no entorno de estações de metrô, trem e corredores de ônibus, áreas de incentivo legal para crescimento populacional.
Nos compactos há também uma divisão de garagens diferente: vende-se um studio sem espaço para carro e outra unidade, que possui mais dormitórios, fica com duas vagas para automóveis.
As empresas observaram a presença cada vez maior de casais sem filhos, dispostos a resolver demandas do dia a dia em áreas comuns como lavanderia e terraço. Esse formato também é facilmente adaptável para moradia de curta temporada cuja metragem é similar aos quartos de hotel como AirBnb.
Thais Carvalheiro, uma analista de inteligência de mercado de 34 anos, está na lista dos que aderiram a apartamentos compactos. Há um ano vivendo em uma residência de 34m² no Cambuci, ela conta: “Não tem como uma pessoa de classe média comprar o primeiro apartamento com 60m² na região. É inviável.”
Thais chegou a procurar opções na Sé, mas desistiu diante da possibilidade de não ter vizinhos fixos, somente hóspedes de plataformas de locação. Contratou uma arquiteta para otimizar os espaços e acredita que esse é o primeiro passo para que, em médio prazo, possa vender o imóvel e adquirir outro.
O professor João Meyer, da faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, reconhece a demanda mas considera que está abaixo da oferta de lançamentos, mesmo contando moradia fixa e aluguéis de curta duração. “A vacância será enorme.” Ele avalia que a classificação desse padrão como “não residencial” deve ser revista. Na prática, parte das microunidades classificadas como “não residenciais” é vendida como moradia desde o início e pode até ser modificada posteriormente para ampliação da metragem.
“O mercado imobiliário essencialmente fez studios para estadia. Aumentou a oferta de imóveis residenciais, na verdade, que serão alugados para a pessoa morar. E esse não era o objetivo da lei (Plano Diretor), que era gerar mais emprego (perto da moradia)”, segundo ele.
A procura por compactos também se relaciona com a “mudança na cultura de morar na cidade” e a queda de renda da população, segundo Antonio Claudio Fonseca, professor de Urbanismo da Mackenzie. “Já acontecia e se acredita que acelera muito nos próximos anos. É a retomada do episódio da década de 1940, com quitinetes.”
Para Nabil Bonduki, professor da USP que foi relator do Plano Diretor na Câmara, pode haver exagero das incorporadoras sobre os compactos, mas isso será regulado pelo mercado. “A diversidade de tamanho e de tipo de morador não é necessariamente ruim. O Copan (prédio na República, centro) tem de quitinete a quatro dormitórios, e todos acham maravilhoso”, afirma.
Pela quantidade de lançamentos de studios, a Setin chegou a devolver terrenos de empreendimentos que se pagariam apenas se incluíssem microapartamentos. Sócio-fundador da incorporadora, Antonio Setin considera que parte das empresas do setor tem implantado compactos onde não há vocação para o perfil. “O mercado foi induzido a fazer produtos assim, independentemente da vocação imobiliária”, aponta. “Apenas para existirem vagas de garagem.”
Também com parte dos empreendimentos voltados a esse setor, a Vitacon avalia que mais da metade do público-alvo da incorporadora é formada por solteiros, divorciados, expatriados que vivem em São Paulo e casais que decidiram não viver juntos. “É um perfil menos filho, mais pet e mais público single. Uma coisa que veio para ficar”, descreve o CEO, Ariel Frankel.
Há também os insatisfeitos. Coordenadora do movimento Pró-Pinheiros, a publicitária Rosanne Brancatelli, de 59 anos, chama a verticalização alavancada pelo Plano Diretor de destruição da paisagem, por envolver a demolição de casas e predinhos. “Os problemas para o futuro serão enormes”, reclama, ao citar o possível aumento no trânsito. “São prédios imensos em ruas estreitas.” Já o Coletivo Pinheiros, com cerca de 70 comerciantes, fala que pequenos estabelecimentos têm sido substituídos por franquias diante dos aluguéis caros e da crise gerada pela pandemia.
“Tem de ter adensamento nessas regiões, tomando cuidado para não descaracterizar áreas de interesse urbano, cultural”, diz Bonduki, que defende aproveitar mais a estrutura de transporte. “Não tem cabimento gastar bilhões em quilômetros de metrô, milhões por estação, e não ter retorno.”
CORPORATIVOS
Edifícios exclusivamente comerciais, por sua vez, perdem espaço. De 2012 a 2016, foram 732 novos empreendimentos, ante 249 nos cinco anos seguintes, diz o Diagnóstico de Aplicação do Plano Diretor lançado pela Prefeitura em abril. A queda é de 65%, abrange todas as áreas da cidade e foi iniciada antes mesmo da pandemia, segundo dados da Prefeitura.
Meyer aponta que esse setor depende de nichos de mercado e demandas mais concentradas geograficamente. “Imóveis corporativos, com alta tecnologia, sempre terão demanda”, diz. O levantamento identificou salto de 91 para 456 edifícios mistos lançados – 401% a mais em dez anos. Mas a distribuição é desigual. A alta foi de 1031% em bairros como Vila Mariana e Pinheiros, e não passou de 15% no entorno das estações de metrô mais ao sul da Linha 5-Lilás, como Giovanni Gronchi e Capão Redondo.
Fonte: Folha de São Paulo