Há exatos 1 mês, o presidente argentino Javier Milei, implementava o Decreto Nacional de Urgência (DNU), uma pacote que revogou diversas leis em vigor, dentre elas a “Lei de aluguel”. Na prática, o DNU simplificou as regras da relação entre proprietário e inquilino, e deixou o contrato de locação livre para ser redigido e acordado entre as partes sem grandes interferências do Estado. Como essa tomada de decisão é inédita em toda a América Latina, gerou uma grande curiosidade: será que esse modelo vai funcionar?
Como era a “lei do aluguel” antes e como ficou após o DNU?
- Duração da locação: era obrigatório o prazo mínimo de 3 anos de locação. Agora, não há prazo mínimo ou máximo estabelecido para a duração do contrato. As partes podem definir o prazo que desejam para a locação. Caso não seja estabelecido nenhum prazo, será estabelecido o prazo padrão de 2 anos.
- Reajuste: Acontecia semestralmente e obrigatoriamente pelo índice “Casa Própria”. Agora, as partes decidirão qual o período de reajuste do aluguel e qual o índice desejam estabelecer para regular o valor da locação.
- Valores: o valor do aluguel e até mesmo os anúncios do imóvel, deveriam ser feitos exclusivamente em pesos argentinos. Agora, qualquer moeda pode ser usada para pagar o aluguel, sejam dólares, reais, euros, pesos ou qualquer outra modalidade.
- Garantia: a legislação permitia até 2 garantias entre cinco opções disponíveis: título de propriedade, aval bancário, depósito caução, garantia de fiança e holerites. No caso do depósito caução o locatário poderia exigir apenas 1 mês de aluguel antecipado. Agora, as partes podem determinar livremente a quantidade de garantias e até mesmo fazer um “mix” entre as opções, sejam elas públicas ou privadas, além de definir as formas como serão devolvidas após o término do contrato.
- Quebra de contrato: após 6 meses de locação o inquilino poderia solicitar o fim da locação mediante o pagamento de multas indenizatórias para o proprietário. Agora, o inquilino poderá solicitar a rescisão do contrato a qualquer momento, pagando um abono máximo de 10% do saldo equivalente aos alugueis futuros. Esse abono é cancelado, caso o inquilino esteja rescindido o contrato porque o proprietário não cumpriu sua parte, que é (1) manter o imóvel em condições aptas para uso (2) ou quando o imóvel contém defeitos ocultos.
Como o mercado imobiliário tem reagido 1 mês após o DNU…
Antes da posse do presidente da Argentina em 10 de dezembro, a crise imobiliária na Argentina era evidente, com diversas cidades como Buenos Aires, Rosário e Bariloche testemunhando um aumento de contratos fora da lei de aluguéis. Estes contratos, cobrados em dólar, assemelhavam-se a uma prática semelhante ao modelo Airbnb. Segundo um estudo de 2023 do Mercado Livre, mais de 50% dos anúncios na plataforma exigiam pagamento em dólares.
Isso acontecia porque os proprietários criticavam principalmente a lei com relação ao reajuste do aluguel, uma vez que a Argentina vive há anos uma inflação galopante. Atualmente, o país registra 211% de inflação anual. Outra reclamação frequente era o prazo mínimo de 3 anos de duração do contrato, que devido as atuais circunstâncias do país junto com as regras do reajuste, fazia o proprietário optar pela venda do imóvel, locação por temporada ou simplesmente deixar o imóvel vazio, sem alugar.
Com a posse do novo presidente e o fim da lei, o novo cenário busca responder e reverter a tendência de contratos irregulares, e tentar devolver alguma estabilidade ao mercado imobiliário argentino.
Aumento da oferta e queda nos preços
Segundo os dados da Câmara Imobiliária Argentina (CIA), neste mês de Janeiro, dois dos principais portais imobiliários da Argentina, Zonaprop e Argenprop, registraram aumento nas ofertas de imóveis para alugar por longa permanência, na capital Buenos Aires. No Zonaprop o aumento foi de cerca de 20%, e no Argenprop chegou a 47%.
“No final de dezembro não tínhamos mais imóveis disponíveis para locação. Hoje, voltamos a ter ofertas anunciadas, e a cada semana cresce o número de novos imóveis disponíveis. Muitos dos proprietários que haviam colocado seus imóveis para venda, estão de olho se o setor de locação irá mesmo se estabilizar, para então decidir se voltam a disponibilizar seus imóveis para alugar”, contou Adrián Cyderboim, da Imobiliária Crescer.
Outro fator registrado foi a diminuição dos valores nos anúncios de locação, em cerca de 20%. Para os analistas, isso aconteceu pela possibilidade de negociar o reajuste livremente, o que tem trazido maior segurança para os proprietários. Para Román Paikin, da San Román Propriedades, “ao ter a capacidade de acordar livremente a periodicidade dos reajustes e o índice, os proprietários estão superando o medo da depreciação do aluguel. Além disso, já não é necessário começar com um valor tão elevado para compensar a perda do poder de compra devido à falta de reajuste”.
“Se o reajuste é mensal, os valores dos alugueis caíram cerca de 20% à 30%. Se o reajuste é bimestral, os preços caíram próximo de 15% quando comparado com os valores de novembro e dezembro”, adiciona Daniel Salaya Romera, da Imobiliária Homónima.
Soledad Balayan, da Maure Inmobiliaria, publicou em suas redes sociais que até agora o DNU tem sido positivo, e os números demonstram isso. “Apesar disso a narrativa está confusa. Estão misturando a queda dos valores dos novos alugueis anunciados, com o reajuste/alta dos preços dos alugueis que estavam congelados pelo Estado há algum tempo. Precisamos nos atentar para essas diferenças.”
Na prática, como as imobiliárias tem feito os novos contratos?
Em termos gerais, o mercado tem seguido uma cartilha para os novos contratos que não foge muito das regras padrões:
- A maioria tem prazo de 2 anos, com alguns contratos com períodos mais curtos.
- O reajuste tem sido trimestral ou semestral, com base no Índice de Contratos de Locação (ICL) regulado pelo banco central.
“A ideia é que aos poucos, mais imóveis sejam disponibilizados no mercado. Aí será possível decidir que tipo de contratos fazer, e o inquilino terá mais oportunidades de escolher. Acreditamos que isso também se ajustará à medida que o mercado for se reestruturando” avalia Marta Liotto, ex-presidente da CUCICBA.
Mas nem todos concordam com as mudanças…
Se para os proprietários o DNU foi visto com alívio, grupos de inquilinos tem demonstrado preocupação. Para eles o fato do Estado permitir o pagamento do aluguel em qualquer moeda, e não regulamentar o reajuste, prejudica principalmente os argentinos de baixa renda.
Um exemplo é da aposentada Susana Garcia, de 79 anos, que expressou sua preocupação com a possibilidade de despejo após residir por quinze anos em seu atual lar. Com uma aposentadoria de 180 mil pesos (equivalente a R$720 no câmbio paralelo) e um aluguel de 70 mil pesos (aproximadamente R$ 280), ela expressa preocupação sobre a falta de opções acessíveis atualmente. Seu contrato de aluguel terminará em fevereiro.
“Até agora, em janeiro, reduzimos o preço de duas unidades anunciadas em pesos. A proposta de prazo é de 2 anos com ajustes trimestrais em alguns casos e a cada 4 meses em outros. A questão-chave é a viabilidade desses ajustes para os inquilinos, considerando que os salários não estão evoluindo no mesmo ritmo que a inflação”, explicou Balayan.
É o caso da professora Romina Mamani, 43, que mora com o filho de 15 anos, no bairro de San Telmo, em Buenos Aires. Ela tem um salário de 700 mil pesos (R$2.800) e contou que pagou em dezembro de 2023 70 mil pesos de aluguel (R$280). Mas para renovar o contrato, sem a lei, a partir de fevereiro, o valor será de 250 mil pesos (R$1.000), com reajustes trimestrais, honorários imobiliários, além de ter que pagar taxas que antes eram de responsabilidade do dono.
“É desesperador. Eu posso reduzir as refeições, comer menos no dia. Mas não tenho como não pagar um aluguel. Porque eu preciso de um teto para morar” diz ela emocionada.
Para Maximiliano Lucero, do Movimento Inquilino Nacional, o Estado poderia resolver o problema dos preços de outras formas “Como por exemplo a regulamentação do aluguel temporário. Incentivar a construção de moradias para aluguel e garantir que os preços sejam razoáveis. Oferecer benefícios fiscais também para a construção de moradias para aluguel e estabelecer parâmetros que regulamentem as propriedades desocupadas”, conclui.
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Informações retiradas de Cronista, Infobae, Clarin, ParaCiudad, UOL e Twitter.