O cenário habitacional brasileiro passou por transformações na última década. De acordo com o Censo de 2022, o país contabilizou quase 23 milhões de domicílios a mais em comparação a 2010 — um crescimento de 34% no número de residências, mesmo com o aumento populacional tendo sido de apenas 6,4%.
Essa multiplicação de moradias se deu, em parte, pela queda da taxa Selic a partir de 2019, que impulsionou o crédito imobiliário e favoreceu a construção, mesmo com a posterior alta dos juros. “O dinamismo permaneceu graças a políticas públicas, à ampliação dos mercados de capital e a reformas microeconômicas de longo prazo”, afirma um especialista do setor. Um exemplo citado é a criação do patrimônio de afetação, em 2004, que trouxe maior segurança ao financiamento imobiliário privado.
Em 2024, o mercado seguiu aquecido: 1,2 milhão de moradias foram financiadas e 400 mil novas unidades verticais vendidas, incluindo empreendimentos do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). As unidades de médio e alto padrão também mostraram força, com alta de 20% nos lançamentos e 5% nas vendas, puxadas principalmente pelo segmento de alto padrão, que ajudou a elevar em mais de 20% o valor total comercializado.
A expansão se sustenta ainda no crescimento do emprego formal, que fortaleceu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Em 2024, mais de R$0,5 trilhão foi emprestado a compradores, com destaque para as faixas de baixa renda do MCMV. Desde 2023, aproximadamente 1,4 milhão de contratos foram firmados entre construtoras e compradores sob esse programa. “O MCMV passou a incorporar critérios de acesso a serviços urbanos para facilitar o crédito mais barato”, explica um técnico envolvido com o programa.
Além disso, instrumentos financeiros como LCI, CRI e LIG ajudaram a irrigar o setor com R$742 bilhões até o final de 2024. O resultado foi uma queda histórica na inadimplência, que chegou a apenas 1%, o menor nível desde 2006.
Entretanto, o acesso ao financiamento ainda é limitado: apenas 12,5% dos proprietários têm hipotecas, frente a mais de 60% nos Estados Unidos. O déficit habitacional permanece estacionado em 6 milhões de moradias, e a população em favelas saltou 40% desde 2010, alcançando 16,4 milhões de brasileiros. Apesar de melhorias no acesso ao saneamento, as favelas ainda concentram apenas 3% das escolas e 1% dos estabelecimentos de saúde do país, embora abriguem 8% da população.
Outro fator de destaque é a mudança no perfil dos domicílios. O número médio de moradores por residência caiu de 3,7, em 2000, para 2,8, em 2022. Já as unidades habitadas por apenas uma pessoa passaram de 12% em 2010 para 19% em 2022 — um aumento de 6 milhões de lares. “Quase 30% dos idosos já vivem sozinhos”, destaca uma demógrafa.
A presença de mulheres como chefes de família também cresceu, passando de 39% para 49% em uma década, enquanto lares com dois cônjuges caíram de 65% para 57%. Apesar da redução da população de 0 a 25 anos, o grupo entre 25 e 39 anos — principal força de demanda habitacional — se manteve estável, o que ajuda a sustentar o ritmo de crescimento.
A locação também se expandiu: 27% dos brasileiros agora vivem em imóveis alugados. Entre famílias monoparentais com filhos pequenos, a proporção de moradores de aluguel é 70% maior do que a média nacional. “Esses grupos, geralmente de menor renda, mantêm o componente de déficit habitacional relacionado ao alto comprometimento da renda com aluguel”, apontam especialistas do setor.
Olhando adiante, o país tenta diversificar as fontes de financiamento, inclusive com recursos oriundos da exploração do petróleo, além de buscar mão de obra mais qualificada para atender à demanda. Ao mesmo tempo, questões estruturais emergem com força: 11 milhões de imóveis estavam vagos em 2022, e o espraiamento urbano, especialmente em cidades médias, levanta preocupações sobre mobilidade e eficiência dos transportes. O uso crescente de aplicativos, que tem esvaziado o transporte coletivo, também entra nesse debate.
“Os contrastes de um Brasil que mudou rapidamente exigem novas respostas em políticas públicas”, conclui um urbanista. Em um país com tantos desafios, a moradia continua no centro das transformações sociais, econômicas e urbanas.
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Informações retiradas de Joaquim Levy diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercado do Banco Safra. Ex ministro da Fazenda e diretor-gerente do Banco Mundial a Valor Econômico