A pandemia do COVID-19, acelerou a adoção definitiva uma nova modalidade de trabalho: o home office. Esse tipo de trabalho foi o responsável pelo aumento exponencial dos chamados “nômades digitais”.
Impulsionados por salários em moeda valorizada, eles buscam cidades com custo de vida acessível e qualidade de vida para estabelecer residência ou passar temporadas prolongadas, sobretudo em países da América Latina como México, Colômbia, Brasil e Argentina. Segundo pesquisa realizada pela Fragomen, atualmente existem cerca de 35 milhões de pessoas vivendo como nômades ao redor do mundo.
A corrida dos países para atrair novos talentos
Para atrair turistas estrangeiros, países iniciaram uma corrida para oferecer um visto especial para trabalhadores que são nômades digitais. O interesse dos países é a alta renda.
Além de fazer turismo, ele vai alugar um imóvel, pode comprar ou alugar um carro, matricular o filho numa escola, ir à academia, utilizar serviço de salão de beleza, por exemplo. E não são vistos como ameaça concorrente à mão de obra local.
Diana Quintas, sócia da Fragomen no Brasil
Para o professor da Harvard, Prithwiraj Choudhury, os nômades digitais podem revolucionar a economia de um país. Ele cita o exemplo histórico do programa “Startup Chile”. Lançado em 2010, o programa forneceu incentivos de vistos e dinheiro para que empresários estrangeiros passassem um ano no Chile, desenvolvendo suas próprias startups e treinando talentos locais. Na época, o Chile era apenas um iniciante no setor de startups. Uma década depois, o intercâmbio de ideias fez com que empresários chilenos lançassem unicórnios – startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão (R$ 5 bilhões) – que incluem a companhia de tecnologia alimentícia vegana NotCo e o aplicativo de delivery de compras de mercado Cornershop.
Atualmente mais de 40 países tem visto especial para nômades e vários outros prometeram criar vistos ainda esse ano, como é o caso da Itália, que tem hoje a população com maior média de idade da Europa e considera o visto temporário como uma forma de atrair moradores mais jovens, que podem usar sua estadia como um “test drive” para viver permanentemente no país.
“Podemos, sim, ter como objetivo trazê-los para a Itália como visitantes, mas também que eles possam estabelecer-se por aqui. Independente disso, os nômades digitais podem nos trazer conhecimentos em todas as áreas, desde a arquitetura até a engenharia. É uma boa forma de abrir nosso país para conhecimentos do exterior”.
Luca Carabetta, parlamentar italiano
Os impactos positivos e negativos no mercado imobiliário
A chegada dos nômades digitais, injeta não só dinheiro na economia e comercio local, como também impulsiona o setor de Construção Civil. Para as imobiliárias em específico, observa-se um aumento no volume de negociações, devido a dois fatores: (1) Maior número de imóveis disponíveis para locação por temporada; (2) Aumento na venda de imóveis.
A cidade também ganha com investimento em infraestrutura e tecnologia, pois proprietários de imóveis, rede hoteleira e prefeituras, investem na intenção de atender os turistas mais exigentes, o que faz as cidades evoluírem mais rapidamente.
No entanto, o número reduzido de ofertas para locações residenciais de longo prazo realmente tem impactado a vida dos moradores locais e as imobiliárias que trabalham apenas com essa modalidade. Além disso, outro problema surge em decorrência da falta de imóveis para alugar: falta de mão de obra (trabalhadores) uma vez que esses não conseguem moradia. Prefeituras que até então faziam campanhas para atrair nômades digitais para suas cidades, tem tentado remediar a situação com leis que restringem a locação por temporada, causando revolta em proprietários e recebendo apoio de inquilinos.
O aumento dos alojamentos de curta duração também tem causado mudanças na paisagem urbana e aumentado o custo de vida, forçando muitos residentes locais a se deslocar para áreas mais baratas. A plataforma AllTheRooms, que monitora dados globais de habitação e aluguéis temporários, observa um crescimento expressivo nas estadias pelo Airbnb na América Latina nos últimos anos.
Um recente estudo realizado pelo governo da Cidade do México revelou um notável crescimento no setor de habitações temporárias, impulsionado pelo aumento no número de diárias contratadas na América do Sul. O Brasil lidera essa tendência, seguido pela Colômbia e Argentina, enquanto México, Costa Rica e Guatemala também exibem taxas significativas.
Um ponto de destaque do estudo é o notável crescimento das habitações temporárias na categoria Airbnb na Cidade do México que saltou de 22.122 para 71.780 unidades entre 2000 e 2020.
América latina: Aluguéis residenciais altos e em dólar?
Dados do site de locação Quinto Andar revelam aumentos significativos no custo médio do aluguel de apartamentos em várias cidades da região, incluindo Buenos Aires, Cidade do México, São Paulo, Quito, Cidade do Panamá e Lima.
No mês de outubro de 2022, o governo da Cidade do México revelou uma significativa parceria com a plataforma Airbnb e a Unesco, com o objetivo de transformar a cidade em um centro global atrativo para trabalhadores remotos e também estabelecer-se como referência no âmbito do turismo criativo. A colaboração visa potencializar determinados bairros e áreas da cidade, direcionando a atenção para esse público específico.
Vinicius Oike, economista do QuintoAndar, enfatiza que o México apresenta uma prevalência ainda maior desse fenômeno em comparação com outras regiões da América Latina. Esse fenômeno é particularmente notável em áreas geograficamente próximas aos Estados Unidos, que adotaram em grande escala o trabalho totalmente remoto, mesmo após o término da pandemia, segundo o especialista.
A crescente tendência de trabalhadores remotos internacionais está causando um impacto significativo nos preços de produtos e serviços na Cidade do México.
Mayara Pinheiro, uma consultora de operações em negócios brasileira de 36 anos que reside na cidade há dois anos e meio, observa que a chegada desses “gringos” está levando a um aumento nos preços de aluguéis, afetando não apenas os locais, mas também os residentes latinos, como ela, que ganham em moeda local. O fenômeno resultou em um aumento de 20% no valor do aluguel para muitos moradores, forçando até mesmo alguns a se mudarem para bairros mais distantes.
Airbnbs e bairros saturados
A cidade de Medellín, considerada a mais rica da Colômbia, está vivenciando um notável crescimento no setor de estadias temporárias, muitas delas cobradas em dólar. De acordo com a plataforma AllTheRooms, o número de estadias feitas através do Airbnb na cidade aumentou impressionantes 119% entre 2020 e 2021. Essa tendência de crescimento se manteve em 2023, com um aumento de quase 40% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Os bairros de El Poblado e Laureles surgem como os principais destinos para quem busca estadias mais longas, sendo altamente procurados tanto por turistas quanto por viajantes que desejam aproveitar a proximidade do metrô, bares, cafés e restaurantes. No entanto, essa crescente demanda por essas áreas está começando a impactar significativamente o custo de vida e o estilo de vida dos moradores locais.
Enquanto o turismo e as estadias temporárias contribuem para a economia local, a valorização desses bairros populares está levando a um aumento nos preços dos imóveis e serviços, afetando diretamente os residentes de longa data.
Argentina: turismo em massa e preço nas alturas
A prática de anunciar estadias temporárias em dólar, em vez de pesos argentinos, está se tornando uma realidade cada vez mais predominante na capital da Argentina, Buenos Aires, principalmente na região metropolitana. De acordo com um estudo conduzido pela Mercado Livre em colaboração com a Universidade San Andrés, cerca de 50% dos anúncios de aluguéis na cidade agora são precificados em dólares.
A Argentina enfrenta desafios significativos, incluindo uma inflação persistente, escassez de imóveis e um aumento notável no turismo internacional. O país recebeu mais de 620.000 visitantes não residentes somente em julho deste ano, principalmente vindos do Chile, Uruguai e Brasil.
O relatório do Turismo da Argentina aponta para um aumento no fluxo de turistas devido à vantajosa cotação cambial, tornando mais acessível a exploração de cidades argentinas.
Informações gerais sobre os nômades digitais no mundo
- Como dissemos no início dessa matéria, calcula-se que existam cerca de 35 milhões de nômades digitais em todo o mundo, um número que poderá atingir 1 bilhão até 2035, de acordo com um relatório da Fragmen.
- Nos Estados Unidos, um estudo da MBO Partners revelou um aumento significativo, com 169 milhões de trabalhadores se autodeclarando nômades em 2022, um aumento de quase 9% em relação ao ano anterior.
- No Brasil, a política migratória abraça essa tendência, com regulamentações que permitem a permanência de nômades digitais estrangeiros por até um ano, com possibilidade de renovação do visto pelo mesmo período, desde que atendam a requisitos como renda mínima de US$1.500.
- O governo argentino disponibilizou um visto atrativo para nômades digitais estrangeiros, permitindo uma estadia de até 180 dias no país. Ao contrário de muitos países europeus, não é necessário um valor mínimo de renda mensal, focando apenas em recibos de honorários como comprovação financeira. O processo de obtenção do visto está sujeito a uma taxa, paga em euro ou dólar.
- A empresa Nomad List, que avalia diversos países e cidades globalmente, posicionou a Cidade do México em 12º lugar e Buenos Aires em 13º no ranking dos melhores locais para nômades digitais. Ambas as cidades ficam atrás apenas de alguns destinos da Ásia e Europa, demonstrando a crescente atração desses destinos latino-americanos para a comunidade nômade digital.
- Lista de países que possuem um visto especial para nômades digitais:
- Europa: Portugal, Espanha, Alemanha, Grécia, Croácia, Estônia, Andorra, República Tcheca, Hungria, Islândia, Malta, Romênia, Noruega, Chipre;
- América do Sul e Caribe: Brasil, Argentina, Equador, Colômbia, Barbados, Antígua e Barbuda, Bermudas, Anguilla, Monserrate, Dominica, Ilhas Cayman, Bahamas, Curaçau, Santa Lúcia;
- América do Norte e Central: Panamá, Aruba, Costa Rica;
- África: Ilhas Maurícias, Cabo Verde, Seicheles;
- Ásia e Oriente Médio: Dubai, Indonésia (Bali), Geórgia.
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Informações retiradas de BBC Brasil, BBC USA, O Globo, Valor Econômico e Fragomen.