Os portais de anúncio na Argentina cobram aluguel em dólar. Uma pesquisa revelou que pelo menos 50% das publicações de aluguel destinados à residência estão exigindo o pagamento em dólar.
Um dos fatores-chave para entender o crescente fenômeno na Argentina, especialmente em Buenos Aires, é a combinação de baixa oferta de imóveis e a demanda do turismo internacional, impulsionado por um “efeito Airbnb”, que favorece estadias temporárias cotadas em dólar americano.
Esse cenário é agravado pela inflação crônica que o país enfrenta e a contínua desvalorização do peso argentino, fatores que contribuem para acentuar a crise habitacional no país. Segundo uma pesquisa realizada pelo Mercado Livre, a oferta de imóveis para alugar na Argentina sofreu uma redução de 30% no último ano.
Segundo um proprietário anônimo de um apartamento no bairro de Recoleta, em Buenos Aires, a preferência entre os donos de imóveis é pela venda em vez de alugar. A minoria que opta por alugar tem preferência por locar para estrangeiros, utilizando contratos turísticos temporários de três meses, nos quais o pagamento é feito em dólares.
Atualmente, o apartamento em questão está sendo alugado através da plataforma Airbnb. Recoleta é uma área conhecida por ter um dos metros quadrados mais caros de Buenos Aires.
O interesse de um proprietário é radicalmente oposto ao de um inquilino. Enquanto para um trabalhador é conveniente um aluguel permanente, tal como rege a lei de aluguéis na Argentina, com preço congelado por um ano, para o dono de um imóvel alugar um apartamento sem reajustes ao longo do ano é perder dinheiro ao final dos 12 meses.
Dolarização dos contratos dos aluguéis
A dolarização dos contratos dos aluguéis na Argentina, no entanto, cresce à margem do que regula a lei de aluguel imobiliário no país, que prevê o pagamento em moeda local, que no caso seria em pesos argentinos.
Enquanto a lei de aluguéis do país estabelece um sistema de aluguel permanente com preços congelados por um ano, o que é conveniente para os inquilinos, os proprietários veem isso como uma perda de dinheiro, pois não podem reajustar os valores ao longo do período.
Uma tendência crescente é a dolarização dos contratos de aluguel, que ocorre à margem da regulamentação oficial, já que a lei exige o pagamento em moeda local (pesos argentinos). Essa situação gera um descompasso entre as necessidades e interesses das partes envolvidas no mercado imobiliário argentino.
Contrato permanente e contrato temporário
O acesso à moradia e os aluguéis em Buenos Aires, Argentina, estão sendo estudados pela pesquisadora Florencia Labiano, que faz parte do Conselho Nacional de Pesquisadores Científicos e Técnicos da Argentina (Conicet).
Atualmente, existem dois padrões de contratos de aluguel destinados a moradia no país: o contrato permanente, com duração mínima de três anos e reajuste anual do valor do aluguel de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor, e o contrato temporário de três meses, voltado para fins turísticos, no qual os inquilinos são responsáveis pelo pagamento de comissões imobiliárias.
A pesquisa de Labiano indica que, mesmo que os imóveis não sejam ocupados por turistas estrangeiros, o deslocamento do contrato de residência permanente para o contrato turístico está provocando um aumento nos preços dos aluguéis na cidade.
De acordo com uma pesquisadora, a prática de aluguel de imóveis para fins turísticos tem sido utilizada por pessoas que não são turistas, contornando as exigências para alugar um imóvel de forma permanente. Essa modalidade, embora mais cara, possui requisitos menos rigorosos, o que beneficia indivíduos que não conseguem atender às demandas tradicionais, como apresentar holerite ou fiador.
Esse cenário é observado não apenas entre turistas estrangeiros, mas também entre locais, como é o caso de um brasileiro chamado Nicolas Salvatorio, que trabalha remotamente na área de publicidade e está há três meses em Buenos Aires em busca de melhor qualidade de vida e intercâmbio cultural.
Recorde de turistas
Segundo o relatório da Direção Nacional de Mercados e Estatísticas do Ministério do Turismo da Argentina, o país tem sido um dos principais destinos turísticos procurados por estrangeiros na América do Sul, especialmente por brasileiros. Em abril de 2023, foram registradas mais de 620 mil viagens de turistas à Argentina, representando um aumento significativo de 105,2% em relação ao mesmo período do ano anterior, estabelecendo um novo recorde histórico para o mês.
Os turistas brasileiros se destacaram, sendo responsáveis por pelo menos 30% dessas viagens. Esse crescimento no turismo internacional foi tão expressivo que o ministro de Turismo da Argentina, Matías Lammens, afirmou que as metas estipuladas pelo governo no final de 2022 foram superadas, o que permitiu a retomada do superávit no saldo turístico do país.
Estudo do Centro de Estudos Metropolitanos (CEM) aponta um crescimento significativo da plataforma Airbnb em meio à crise habitacional na Argentina. Atualmente, estima-se que pelo menos 70 mil imóveis estão sendo alugados através de contratos temporários. O estudo revela que mais de 15 mil propriedades na cidade de Buenos Aires, que poderiam ser utilizadas para aluguéis permanentes, foram deslocadas para o mercado de aluguéis temporários/turísticos.
Em 2019 a estimativa era que um pouco mais de 9 mil propriedades eram destinadas a aluguéis turísticos. Com o fim da pandemia, esse número cresceu 62%, segundo o CEM.
Dolarização não se limita a Buenos Aires
A complexa crise habitacional que assola a Argentina não se limita apenas à cidade de Buenos Aires, mas também afeta outras cidades turísticas do país, como Bariloche, na Patagônia. O problema é agravado pelos contratos de aluguéis turísticos, onde proprietários passaram a exigir pagamentos em dólares devido à dolarização dos aluguéis e à inflação crescente.
Como resultado, os preços dos aluguéis atingiram patamares elevados, tornando a moradia inacessível para muitos. A situação tem gerado dificuldades para inúmeros indivíduos, como o colega de trabalho de Daniela Soares, que foi forçado a deixar seu imóvel por não conseguir arcar com os valores exigidos em moeda estrangeira.
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Informações retiradas de Amanda Cotrim à UOL