No início do ano passado ocorreu um boom na aquisição da casa própria, impulsionado pelo isolamento da pandemia e a taxa Selic em um patamar histórico (2%) que favoreceu as linhas de crédito imobiliário, com juros em torno de 8% ao ano.
Além dos tradicionais financiamentos com juros fixos e Taxa Referencial (TR) em sistemas de amortização SAC ou Price, outras opções começaram a surgir, tais como juros pré-fixados atrelados à inflação medida pelo IPCA e rendimento da poupança.
No entanto, as coisas mudaram, a inflação acelerou e fez com que o Banco Central elevasse a Selic para os atuais 13.75% anuais. A média dos juros fixos no crédito imobiliário também acompanhou a alta, e já alcança dois dígitos, cerca de 10%. E para aqueles que aderiram ao crédito atrelado ao IPCA ficaram em condições nada favoráveis, pois o Índice acumulou alta de 10,07% nos últimos 12 meses.
Com a alta dos juros em meio ao quadro de desemprego e endividamento crescentes e inflação corroendo a renda, muita gente enfrenta agora dificuldades de pagar a prestação da casa própria. É crescente o número de compradores de imóveis na planta que desistem — e perdem o chamado distrato — e de mutuários que tentam renegociar contratos nos bancos, que estão flexíveis como nunca.
De acordo com a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) os distratos subiram 16% em comparação a janeiro e maio deste ano ao mesmo período do ano passado.
Segundo o setor de construção, o crescimento segue junto com o aumento das vendas, no entanto agentes do mercado imobiliário e especialistas sustentam que os distratos só não se intensificaram por causa do esforço de bancos e construtoras para dar fôlego aos clientes e minimizar os danos.
De acordo com Paulo Pôrto, professor de Negócios Imobiliários da FGV, as classes mais altas são as responsáveis por manter as vendas de imóveis em alta. Já a classe média e os compradores de imóveis populares estão sofrendo, levando em consideração que são uma parcela mais vulnerável à queda de emprego e à alta dos juros.
A nova lei do distrato, de 2018, aliviou um pouco os prejuízos para as construtoras, que antes tinham que devolver até 90% do valor pago pelos desistentes. Agora, o cliente só tem direito a receber 50% de volta. Ainda assim, o impacto é grande para a estrutura financeira das empresas do setor, que tendem a frear novos lançamentos.
De acordo com os presidentes da Abecip, José Ramos Rocha Neto, e da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ), Cláudio Hermolin, a maior preocupação para o setor é a disparada dos custos da construção. A inflação do setor foi de 11,66% em 12 meses.
“Há um descolamento do valor do custo da construção de 11% acima da curva do preço de venda” diz Hermolin.
Na incorporadora Start Investimentos, de junho para julho, houve aumento de 10% nos pedidos para repactuar prazos e diluir valores nos contratos, diz o CEO Eric Labes:
“Tento ajudar como é possível, para não afetar o fluxo (financeiro da construtora). As pessoas querem pagar. O distrato é realmente quando não conseguem, como na perda do emprego”.
Medidas para conter os distratos
Os bancos estão mais abertos à renegociação, como por exemplo na Caixa, 120 mil mutuários já fecharam acordo para pagar 75% do valor das prestações por 6 meses. Essa possibilidade foi aberta em março, quando a inadimplência atingiu 2,35% da carteira, e vai até dezembro deste ano.
Nos casos de redução temporária da prestação, o cliente da Caixa paga uma parte da dívida principal e pequena parcela dos juros para evitar a caracterização de rolagem de dívida. O valor da prestação sobe um pouco, mas fica diluído ao longo do contrato, dando um alívio imediato no bolso, explicou um técnico da Caixa.
Na tentativa de conter as quebras de contrato, o Banco do Brasil criou um canal do Whatsapp. A instituição disse que o percentual de renegociação mensal é de 0,93% da carteira total ativa e que altera a taxa de juros em alguns casos.
Já o Banco Itaú está usando como estratégia manter a prestação em dia com soluções como incorporação de parcelas atrasadas ao saldo devedor, aumento do prazo do contrato e incentivo à utilização do FGTS para amortização, com redução das parcelas a vencer, nos casos elegíveis.
No Santander, o cliente pode obter seis meses de carência e estender o prazo contratual, respeitando os limites pré-estabelecidos da linha de crédito. Em caso de atraso de até 60 dias, é possível diluir as parcelas ao longo do contrato. O Bradesco informou que está aberto à negociação, mas não deu detalhes das opções.
Fonte: Globo